“Os consumidores estão cada vez mais exigentes, buscando mais consciência nos seus hábitos de escolha, que automaticamente os levam aos produtos que nós, produtores, indústria e mercado, oferecemos.”

“O lucro que envolve um propósito social é uma forma superior de capitalismo – forma que permitirá à sociedade avançar mais rapidamente e às empresas crescer ainda mais.” 
MICHAEL PORTER, professor da Harvard Business School

Eu não sou “bicho grilo”, nunca fui. Você deve saber que esse é um dos esteriótipos que o produtor de orgânicos, ainda em 2020, carrega. Pelo contrário, cresci em São Paulo ouvindo sobre empresas, negócios, bancos, lucros e previsões de crescimento. E nesse ambiente de desenvolvimento tive os melhores exemplos e professores, que me ensinaram muito sobre metas, inovação e responsabilidades. Muito do que eu busco imprimir no meu trabalho à frente da Sta. Julieta Bio. 

No começo, precisei correr atrás para compensar a minha total inexperiência agronômica e estudar muito sobre modelos de negócio que fizessem sentido para uma pequena produção de alimentos orgânicos. Uma corrida que, acredito, nunca vou abandonar. Por outro lado, sempre defendi a necessidade de sucesso comercial como pré-requisito para cumprir uma missão social e ambiental mais ampla. Uma integração harmoniosa que pode ser encontrada na própria etimologia das palavras economia e ecologia, derivadas do grego. A organização ou “administração da casa” (eco-nomia) deveria basear-se no “conhecimento da casa” (eco-logia). Mas como administrar bem algo que não conhecemos? Em primeiro lugar deveríamos entender o planeta em que vivemos para depois, com base nesse conhecimento, estabelecer de maneira inteligente e sustentável os nossos padrões de produção e consumo. Minha frustração surge ao perceber como o capitalismo que vivemos até aqui desperdiça extraordinárias habilidades do ser humano, como a nossa criatividade, desejo de contribuir e viver bem em comunidade e na nossa casa. Apesar de ter facilitado, inquestionavelmente, o desenvolvimento de tecnologias e a criação de riqueza, esse modelo de economia custou caro para o planeta e para as pessoas. Não acredito que esses ganhos justifiquem as imensuráveis perdas que estamos sofrendo.  

Minha pergunta é como combinar “capitalismo” com “responsabilidades”, sendo que eles parecem, ao menos para mim, conceitos incompatíveis. Responsabilidade implica em cuidar; de nós, um ao outro e do planeta. O capitalismo implica cuidar de uma coisa, de um capital que pode ser monetizado e negociado. Acredito que essa combinação é o nosso maior desafio, tanto aqui na fazenda quanto no segmento de Orgânicos. Os consumidores estão cada vez mais exigentes, buscando mais consciência nos seus hábitos de escolha, que automaticamente os levam aos produtos que nós, produtores, indústria e mercado, oferecemos. Cabe a nós, que estamos à frente, uma antecipação que encare isso como oportunidade e não como dificuldade. 

Os relacionamentos responsáveis têm confiança conquistada, são mutuamente benéficos, empáticos e inclusivos. O que pode ser levado também para as empresas. Na fazenda, investimos na criação e desenvolvimento de uma Comunidade que Sustenta a Agricultura – CSA – e foi com essa rede de pessoas comprometidas que estreitamos e afinamos os nossos processos de comunicação e produção, pois todas as pessoas que consomem estão diretamente ligadas ao trabalho realizado pela nossa equipe. Nesse modelo, não consideramos as pessoas que recebem as cestas semanais como simples consumidores, mas sim como coprodutores, pois existe esse envolvimento que relações de longo prazo permitem. Há pagamento antecipado de cotas (cestas de orgânicos), trabalho voluntário desses consumidores/coprodutores, envolvimento com criação e inovação e, sobretudo, engajamento. E se há engajamento de quem consome o que produzimos, há mais pessoas levando a marca, propósito e qualidade da empresa para frente. 

Esse resultado vem de planejamento. Sabemos o quanto plantar pois temos o número exato de pessoas que receberam suas cestas hoje e uma média de crescimento dos próximos meses. Buscamos não desperdiçar alimentos nem energia de trabalho e temos obtido sucesso nesse campo. Tanto que esse modelo de produção dedicada e em parceria causou o interesse de restaurantes, varejo e indústria. Hoje, produzimos para diversas empresas que buscam variedade, quantidade, preço e regularidade específicos – sem abrir mão da sazonalidade e das especificidades de cada época para acordar reajustes de preço e fornecimento. Tem a batata doce destinada à empresa tal, o grão-de-bico que será processado pela outra, o alho-poró que servirá de tempero da salada daquela rede… São toneladas de alimentos que têm um contrato de entrega assinado antes mesmo de entrarem na roça – o conceito de COproduzir foi além da CSA e ganhou um mercado maior. É o sonho de tantos produtores que buscam clientes para a sua produção, mas que nem sempre apostam na cultura correta ou no que o mercado está procurando. 

E é nesse sentido que iniciamos há pouco parcerias também com outros produtores, compartilhando com eles esse modelo que funcionou tão bem com a gente. Cada vez mais as empresas desejam que o campo seja uma extensão do seu próprio processo, então a ideia é mostrar para esses produtores a importância de um relacionamento próximo com o cliente – intermediando essa conexão, mapear as principais demandas de culturas, dividir pesquisas e estudos, produzir mais e atender um mercado que cresce e precisa da base: matéria-prima orgânica e de qualidade. Por isso, se você conhece um produtor que gostaria desse suporte, pode entrar em contato que teremos o prazer de conversar melhor. 

Ainda sobre a necessidade de um apoio maior para a base da nossa cadeia de produção, destaco e considero fundamental o trabalho de pesquisa de mercado da Organis e a troca de experiências entre os associados, pois comunicação e informação são ferramentas preciosas para um setor com tanto potencial de crescimento e que trabalha forte o apelo por um consumo mais consciente e responsável. 

O que pude vivenciar nesses primeiros anos como produtor de alimentos orgânicos é que a responsabilidade pelo futuro coletivo precisa sustentar todas as decisões que tomamos, seja pelo ECOssistema da empresa, da comunidade ou do ambiente, em vez de ser uma reflexão tardia e secundária ao lucro. A recompensa financeira precisa ser justa, mas aproveitar nossos desejos inatos de propósito, significado, domínio, autonomia e relacionamentos saudáveis – aspectos da vida tão difíceis de medir – pode proporcionar sucesso comercial e uma economia que se sustenta com durabilidade. O capitalismo que conhecemos até aqui forneceria mais para mim e a empresa, agora. A responsabilidade garantirá o suficiente, para todos, para sempre. Para mim, isso é o mais sustentável que podemos ser.

Rafael Coimbra
Produtor orgânico Sta. Julieta Bio – Produção orgânica de Santa Cruz da Conceição – SP
Os artigos assinados são de responsabilidade dos seus respectivos autores e não refletem necessariamente a opinião da Organis.

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