“No final do século passado intensificaram os estudos para a quebra do paradigma da monocultura com a adoção do conceito de biodiversidade funcional como base para a sustentabilidade de sistemas agrícolas na produção de alimentos.”

Atualmente, as atividades agrícolas da forma que são realizadas produzem, sabidamente, impactos significativos na diversidade de espécies, no solo, nos rios e no clima. A ocupação e uso da terra de maneira tradicional resultam em fragmentação de habitat e compromete seriamente a biodiversidade.

O solo mobilizado perturba ou extingue as espécies e o uso intenso de máquinas agrícolas impõe simplificações e provoca degradações físicas irreversíveis. O uso extensivo de agrotóxicos causa perdas de uma infinidade de espécies. A erosão genética resultante de “modernos” programas de melhoramento diminui a diversidade genética do agroecossistema. Sabidamente, algumas atividades agrícolas, como consorciação, rotação e práticas de agricultura orgânica são favoráveis à conservação da biodiversidade, mas, como seguem o modelo tradicional de produção, são insuficientes.

Neste sentido, na maioria dos casos as atividades agrícolas concentram-se apenas na produção, enquanto os impactos nas plantas e animais selvagens são negligenciados. Diante desta realidade, é necessário discutir propostas de produção de alimentos rentáveis e ecologicamente adequados. Propostas de como a ocupação e uso da terra no modelo de sucessão de monoculturas podem ser modificados para melhorar a conservação dos recursos biológicos e a viabilidade da agricultura em longo prazo são continuamente discutidas.

No final do século passado intensificaram os estudos para a quebra do paradigma da monocultura com a adoção do conceito de biodiversidade funcional como base para a sustentabilidade de sistemas agrícolas na produção de alimentos. É o início do que hoje podemos denominar agrobiodiversidade. Os conceitos de agrobiodiversidade funcional cada vez mais vêm sendo adotados como estrutura de pesquisa científica, formulação de políticas públicas e redesenho da gestão em fazendas de produção de alimentos, madeira e energia.

Agrobiodiversidade funcional (ABF) refere-se a elementos da biodiversidade na escala dos campos agrícolas ou paisagens, fornecendo serviços ecossistêmicos que apoiam a produção agrícola sustentável e também podem proporcionar benefícios para o ambiente regional, global e o público em geral. A ABF usa estratégias científicas para otimizar a regulação, o aprovisionamento de sinergias positivas que geralmente existem entre a produção agrícola e a conservação da biodiversidade. O conceito de ABF não é sinônimo de sistemas agrícolas ou conceitos agrícolas amplos como “agricultura ecológica”, “agricultura sustentável”, ou “agricultura orgânica”.

ABF pode certamente ser um elemento de tais sistemas, da mesma maneira que pode ser um elemento dos sistemas agrícolas convencionais ou da gestão integrada da paisagem. A diferença reside no fato de que a ABF enfatiza a aplicação e desenvolvimento de práticas de gestão consolidadas que melhoram e exploram especificamente elementos de biodiversidade por seu papel no fornecimento de serviços ecossistêmicos, independentemente do tipo da exploração agrícola.

Atividades componentes da agrobiodiversidade funcional:

  • Inclusão de plantas atrativas de polinizadores;
  • Uso de plantas repelentes às pragas e doenças;
  • Uso de plantas para produção de biomassa;
  • Utilização de coquetel de plantas consideradas “adubos verdes”;
  • Uso de plantas para reciclagem de nutrientes verticalmente;
  • Utilização de plantas que aceitam podas para fertilização de superfície;
  • Uso de rotação de culturas ou plantas para ativação da agregação do solo;
  • Utilização de plantas para aumentar o efeito supressivo do solo;
  • Utilização de árvores para melhorar o conforto térmico;
  • Implantação de árvores para produção de alimentos para “avifauna”;
  • Construção de “corredores de conectividade”;
  • Utilização de consórcio com plantas alimentícias não convencionais – PANC’s;
  • Utilização de consórcio de plantas medicinais: ervas, temperos, plantas artesanais.

Em termos gerais, um princípio orientador na ABF é usar insumos externos de maneira racional, com base em recomendações sempre que possível. As interações entre agricultura e biodiversidade são complexas e medidas para melhorar essas interações são muito diversas. A lista acima exemplifica um conjunto de atividades que podem ser consideradas como componentes da ABF.

Afonso Peche Filho
Pesquisador Científico do Instituto Agronômico de Campinas – IAC
Os artigos assinados são de responsabilidade dos seus respectivos autores e não refletem necessariamente a opinião da Organis.

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