“Quando fazer a transição do sítio da família para agricultura orgânica era apenas uma ideia, minha mãe me disse: você já vai aprender no difícil, então não vai ter diferença.”

O mercado de orgânicos cresce em um ritmo de 20% ao ano, a variedade de produtos aumenta ano a ano, e o espaço destinado aos orgânicos nas gôndolas dos supermercados e varejões é cada vez maior. Mesmo assim, ainda há, especialmente entre agricultores, a crença de que não é possível cultivar orgânicos.

“Você não vai conseguir”

Esta pode ser uma opinião muito limitada à minha realidade, e acredito mesmo que seja. Mas, desde que optei por me tornar uma agricultora orgânica, o que eu mais ouço de outros agricultores da região é: “você não vai conseguir”, “é muito difícil”, “para cultivar tal fruta é preciso pulverizar muito veneno” ou “se no convencional já está difícil, imagine no orgânico”. Ainda mais para mim, que não tinha experiência alguma com agricultura. Impossível! E acompanhando as frases acima vinha uma extensa lista de problemas que eu enfrentaria, e para os quais eu não teria solução.

Quando fazer a transição do sítio da família para agricultura orgânica era apenas uma ideia, minha mãe me disse: você já vai aprender no difícil, então não vai ter diferença. É verdade, a minha falta de experiência jogava a meu favor.

Sou jornalista de formação e trabalhava como assessora de imprensa em uma multinacional. Acompanhava o mercado de orgânicos como consumidora. A mudança foi grande e, sim, não é fácil. Iniciar uma atividade do zero, sem qualquer conhecimento prévio, exige esforço e uma dose de obstinação e coragem. Isso, em qualquer área. A princípio achei que fosse conseguir conciliar as duas atividades. Mas, conforme o projeto de produzir orgânicos ia evoluindo, mais eu sentia que precisava de tempo para me dedicar a ele. Segui meu coração e sei que tomei a decisão certa.

Meus irmãos abraçaram a ideia. O amor que compartilhamos pelo sitio, que está nas mãos da nossa família há três gerações, nos uniu e retomamos a administração da propriedade, que estava arrendada e bastante degradada. Começamos a nos movimentar para fazer a transição da agricultura convencional para a orgânica em 2016. Em setembro de 2018, conseguimos a certificação.

Apesar da descrença de muitos, encontramos pessoas que nos apoiaram e nos ajudaram a começar a puxar o fio da meada. Profissionais da Casa da Agricultura – CATI (Coordenadoria de Assistência Técnica Integral da Secretaria de Agricultura e Abastecimento de São Paulo) nos apresentaram a outros agricultores orgânicos da região e o caminho a seguir começou a ficar mais claro. Recebemos a indicação de um agrônomo especialista em produção orgânica que se tornou nosso consultor. Para quem não tem experiência com agricultura, ter um profissional que ofereça o suporte técnico é fundamental.

Vencida a primeira etapa, certificação em mãos, e agora? Para quem vender? Produto vendido, que alegria. E agora? Como vamos transportar? Nosso sítio fica em Cândido Rodrigues, uma pequena cidade do interior de São Paulo com forte tradição no cultivo de frutas. A cidade possui uma cadeia estruturada para escoar a produção, mas não nos encaixamos no modelo existente. Precisamos nos desdobrar para encontrar uma solução que nos atendesse dentro das regras de transporte de produtos orgânicos. A logística é um gargalo da agricultura orgânica.

No entanto, uma característica muito particular e especial do mercado de orgânicos é o esforço de todos os envolvidos. Depois de muito bater a cabeça, encontramos uma distribuidora em uma cidade a 25 km da nossa, que entendeu nossas angústias e leva nossos produtos até São Paulo. Quem compra faz o esforço de retirar o produto no centro de distribuição que a empresa mantém na capital. E na medida do possível, colocamos nossa produção dentro do carro e fazemos as entregas em cidades da região.

No meio do turbilhão que atravessamos para iniciar as vendas e organizar o transporte, perdemos oportunidades por não embalar nossas frutas em bandejas. Não tínhamos uma marca, não tínhamos um rótulo. Foi assim que nasceu a Laverani Orgânicos, nossa marca. O nome significa Lavoura Civolani, uma homenagem ao nosso avô materno, Duílio Civolani, de quem herdamos o sítio.

Hoje, já colhendo os primeiros frutos dos nossos esforços, ainda não podemos dizer que a descrença e a desconfiança dos produtores da nossa região na agricultura orgânica diminuíram, mas podemos afirmar que estão cedendo espaço para a curiosidade e o interesse. Estamos apenas no início dessa jornada, e acreditamos que a médio e longo prazo os tabus sobre a produção orgânica caiam por terra. Vamos seguir fazendo a nossa parte, e compartilhar o conhecimento que estamos adquirindo para conquistar novos adeptos da produção de alimentos mais saudáveis.

Milena Miziara
Agricultora e jornalista – Laverani Orgânicos
Os artigos assinados são de responsabilidade dos seus respectivos autores e não refletem necessariamente a opinião da Organis.

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