“Para ser sustentável, o alimento orgânico deveria, por exemplo, usar na sua produção e distribuição o mínimo possível de combustível fóssil, como diesel, gás ou gasolina.”

No meu entendimento, o alimento orgânico, para ser realmente orgânico, tem que ser sustentável, ou seja, ir além do seu conceito mais simples, que é a não utilização de agrotóxicos e fertilizantes sintéticos na sua produção. Para ser sustentável, o alimento orgânico deveria, por exemplo, usar na sua produção e distribuição o mínimo possível de combustível fóssil, como diesel, gás ou gasolina.

O cuidado com o meio ambiente na produção e distribuição do orgânico vai, portanto, além do cultivo puro e simples.

Não tem muito sentido eu consumir, no Rio de Janeiro, cidade onde vivo, o arroz orgânico produzido no Rio Grande do Sul, que é o que acontece atualmente. Como a produção de arroz orgânico se concentra, principalmente, no Rio Grande do Sul – pelas cooperativas de agricultores familiares ligadas ao MST e pela Volkmann – não tenho lá muita alternativa se quero consumir arroz orgânico.

O ideal, nesse caso, seria que alguma região do meu estado também pudesse produzir arroz orgânico certificado. Falo do arroz como poderia estar falando de outro produto qualquer.

A coisa é bem simples. ou melhor, deveria ser: bastaria os governos, bem como os legislativos, estaduais e municipais criarem mecanismos e políticas públicas para o desenvolvimento da produção orgânica o mais perto possível do consumidor, investindo, por exemplo, na agricultura familiar urbana e periurbana.

Para mim está muito claro que a chamada “revolução orgânica” passa, necessariamente, pelo pequeno produtor, pela agricultura familiar, que é a maior produtora de alimentos do pais. 

O negócio é pensar pequeno para se tornar grande.

Entendo que é difícil e complicado para o governo federal desenvolver, por mais boa vontade que se tenha, programas locais de agricultura orgânica sem contar com a adesão e o apoio de estados e, principalmente, dos municípios. Daí a necessidade de estados e municípios desenvolverem programas próprios ou, no mínimo, serem parceiros do governo federal no fortalecimento e crescimento de programas já existentes.

Assim, quando eu digo “o mais perto possível” significa investir no pequeno produtor, na agricultura familiar. Vários países, como a Dinamarca e a França, levam essa questão muito a sério. Com investimentos e subsídios à agricultura familiar, esses dois países têm planos de aumentar consideravelmente a área cultivada em orgânica. 

A Dinamarca, que em termos proporcionais é o maior mercado de orgânicos do mundo (11,5% das vendas de alimentos são de orgânicos), tem um plano para que, até 2020, 20% da terra cultivável seja destinada à produção orgânica. Trabalham nisso desde 1995. Já a meta da França, para 2020, é de 15% do cultivo (hoje é de 7,5%; e em 2013, 1%).

Cidades consomem mais

Considerando que, segundo a Organização da Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO, na sigla em inglês), 80% da produção alimentar são consumidas nas cidades urbanas, nada mais lógico do que promover e incentivar a agricultura familiar urbana e periurbana.  E por que não, orgânica?

O documento ‘Uma visão para os sistemas agroalimentares Cidade-Região”, da FAO, é muito claro quando diz que “o sistema agroalimentar de qualquer cidade é híbrido – combina diferentes formas de aproveitamento e consumo de alimentos. Algumas cidades dependem principalmente de fazendas e processadores de alimentos situados na zona urbana, periurbana e na zona rural próxima da cidade, enquanto outras cidades dependem, sobretudo, de alimentos produzidos e processados em outros países e continentes. (…) Como consequência as cidades e os sistemas urbanos de suprimento agroalimentar jogam um papel fundamental na hora de determinar suas regiões rurais mais distantes”.

A cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, segundo dados da própria Prefeitura, tem mais de mil estabelecimentos rurais. Destes, quantos praticam a agricultura de base agroecológica? E, dentre os que praticam a agricultura convencional, quantos estariam dispostos a mudar para a agricultura de base agroecológica. A Prefeitura não sabe, ninguém sabe. Um bom começo seria fazer um levantamento para se ter em mãos dados que possam servir de base para o desenvolvimento de uma política pública para o setor, visando à produção orgânica.

Financiamento

É claro que política pública passa pela questão do financiamento à produção, o que, no Brasil, ainda é um problema. Para se ter uma ideia, dados do último Censo Agropecuário do Brasil (2017) mostram que apenas 15% dos produtores conseguiram financiamento. A boa notícia é que, entre os que conseguiram financiamento do governo, a maioria (77%) foi através do Pronaf, o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar. Isso, em 2017. 

Tem gente ligada

Mas nem tudo está perdido e tem gente ligada nessa questão do incentivo à produção orgânica local. 

Em 2017, a Câmara Municipal de Porto Alegre promulgou a lei que institui, na área rural do município, a Zona Livre de Agrotóxicos à Produção Primária e Extrativa. Os maiores beneficiados serão, sem dúvida, os agricultores familiares.

E em janeiro deste ano, o governador do Ceará, Camilo Santana, sancionou a lei, de autoria do deputado estadual Renato Roseno, que proíbe a pulverização aérea de agrotóxicos nas lavouras do estado. Sem a pulverização aérea fica mais fácil trabalhar junto aos pequenos produtores para incentivá-los a praticar a agricultura de base agroecológica.

Chico Junior
Jornalista, escritor, autor dos livros “Roteiros do Sabor Brasileiro”, “Roteiros do Sabor do Estado do Rio de Janeiro” e “Na boca do estômago – Uma viagem ao prazer de cozinhar e comer”
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