Até hoje, os olhos de quem analisou os gráficos e comercialização de produtos orgânicos no Brasil se movimentaram de baixo para cima. Como numa rampa de montanha russa, a fase recente do setor é de escalada – a média de crescimento chegou a 20% ao ano.
Esses números atraíram novos investidores, dentre eles, pessoas e empresas de grande porte estrutural e financeiro interessadas em abocanhar parte da fatia de um bolo que não para de crescer.
Nesse sentido, dados da pesquisa Organis 2019 mostram que o segmento ainda tem grande potencial de expansão de consumo. Afinal, os empecilhos ao maior crescimento, que são o preço (resposta de 65% dos entrevistados) e a dificuldade de encontrar produtos (27%), poderão ser derrubados por empresas que prometem investir em pontos de vendas, reduzir margens…
Mas, a pesquisa também apresenta alguns sinais imperceptíveis aos radares dos produtores e comerciantes menos antenados, ou seja, aqueles que não enxergam as informações subliminares.
Antes de entrarmos nos detalhes lembramos que, em uma das perguntas, no total, 88% dos entrevistados responderam que estão interessados (35%) ou muito interessados (53%) em “busca de informações sobre como manter uma alimentação mais saudável”. Em outro questionamento que traçou o perfil do consumidor, 79% disseram ter preocupação com áreas verdes, 42% separam o lixo e 29% compram produtos biodegradáveis.
Essas respostas estão em consonância com os princípios orgânicos, cujos produtos não apenas são livres de agrotóxicos, mas os seus processos têm compromissos com a justiça social (incluindo respeito aos direitos dos trabalhadores) e com a preservação ambiental. É neste último item onde existem espécies de “pequenas fissuras na engrenagem”. Talvez não seja suficiente para quebrar a estrutura, mas, servem de argumento para quem quer atingir a “alma do movimento”.
A primeira “trinca” está na pecuária. Sabemos que os gases bovinos são um problema ambiental, posto que causam danos à camada de ozônio. Nesse caso, não é um contrassenso defender o meio ambiente e produzir e/ou vender carne bovina orgânica?
A segunda está nas embalagens, principalmente nos supermercados. Muitas empresas que se declaram ambientalmente responsáveis continuam embalando produtos orgânicos em bandejas de isopor com invólucros de plástico?! Como assim?
Nessas fendas podem cair tanto o produtor quanto o revendedor. Seria conveniente o agricultor dizer que faz sua parte e entrega o produto dentro das exigências, mas que lava as mãos sobre o processo de embalagem? Da mesma forma, faz sentido o supermercado ou açougue alegar que apenas vende para atender à demanda, mas, o problema do excesso de bovinos é dos criadores e não dos revendedores? Seria como se “fechassem os olhos” para a cadeia de alimentos (da produção à distribuição), importando-se apenas com a sua parte.
Em analogia com um parque é como se o operador irresponsável colocasse um brinquedo em operação mesmo sabendo de um risco, afinal, se machucar alguém, quem vai responder legalmente é o pessoal da manutenção.
A pesquisa Organis mostra que o consumidor está cada vez mais consciente e exigente. Está disposto a pagar mais por um produto orgânico tanto pela sua saúde quanto pela preservação ambiental. Assim, não dá para permitir que o trem continue subindo a rampa com um problema. Ele pode ruir, andar para trás, “machucar muita gente até ficar pronto para subir outra vez”.
Esconder o problema e se apresentar como perfeito não é a melhor forma de resolvê-lo. Expor pode reduzir a velocidade da subida (ou não), mas mostra transparência, responsabilidade e solução em conjunto. É o melhor para todos!
Observe os resultados da Pesquisa Organis 2019 e tire suas conclusões. Na minha visão, ela mostra muito mais do que um passado recente ou as tendências de consumo no curto prazo. Apresenta mudanças de comportamento implícitas, renascimento de novos conceitos sobre o hábito de se alimentar e consumir. Enfim, é um “norte” para quem quer enxergar além daquilo que todo mundo vê!