“Na ponta dos empreendedores sociais, as queixas são que as marcas querem produtos com história, não industriais, feitas em um modelo sustentável, mas sem se dispor a pagar pelo custo compreensivelmente mais alto. Querem lucrar com a narrativa de estar fazendo o bem, mas espremem as margens dos empreendedores e impõem prazos de pagamento dilatados. “

Artigo publicado originalmente no site da IstoÉ Dinheiro e no LinkedIn

Brindes para clientes, kits de boas-vindas para novos funcionários, presentes para aniversariantes, uniformes… A compra desses itens é algo trivial na rotina de algumas empresas. Nos últimos tempos, a escolha do fornecedor aparece atrelada à ideia de que produtos e serviços sustentáveis do ponto de vista social ou ambiental agregam mais valor se comparados àqueles feitos na linha de produção de uma fábrica qualquer. Atrelar projetos sociais fortalece a narrativa das marcas em seu posicionamento alinhado à agenda ESG. Uma escolha muito positiva, desde que esses fornecedores sejam tratados como parceiros de negócios e não como um grupo vitimizado a quem a empresa vai “gentilmente” ajudar. 
 

Não é raro, em entrevistas sobre boas práticas sociais, que executivos se orgulhem da ajuda que deram à comunidade ao comprar produtos de artesãos locais (qualquer que seja a localidade) para presentear um grupo de clientes. Ou de como colocaram a preocupação social na rotina da empresa ao decidir contribuir com um grupo de mulheres vulneráveis para costurar seus uniformes. Ou ainda, como o pilar S está no core do negócio após lançarem coleções limitadas de roupas, objetos e acessórios produzidos por grupos minorizados. Várias vezes, a motivação declarada é “fazer o bem”. 
 

Esse é um conceito complexo. Na ponta dos empreendedores sociais, as queixas são que as marcas querem produtos com história, não industriais, feitas em um modelo sustentável, mas sem se dispor a pagar pelo custo compreensivelmente mais alto. Querem lucrar com a narrativa de estar fazendo o bem, mas espremem as margens dos empreendedores e impõem prazos de pagamento dilatados. Chegam a citar, como contrapartida, que a parceria dará a oportunidade única ao fornecedor de ter sua marca associada à da empresa compradora nos esforços de marketing e comunicação. É o caso de perguntar: que vantagem Maria leva? 
 

Em menos de dez dias, estive com duas empreendedoras sociais que relataram situações similares. Em uma delas, a fundadora de uma empresa que trabalha com grupos de mulheres vulneráveis pelo Brasil inteiro criando peças únicas havia acabado de negar um contrato porque a contratante queria pagar pouco sob o argumento de estar ajudando. “Essas pessoas não entendem que nós não estamos atrás de ajuda e sim de parceiros de negócio”, afirmou. 
 

O outro caso é de uma empreendedora que fundou um negócio onde todas as matérias-primas usadas são resíduos que iriam para lixões e que os funcionários pertencem a grupos marginalizados. Ela afirmou que potenciais clientes chegam com a demanda de mercadorias que tragam histórias, mas com um orçamento igual ou inferior ao que pagam a fábricas instaladas na Ásia. “A sustentabilidade para no discurso”, disse.

Escolher uma empresa social como fornecedora não é filantropia. É negócio. Sem esse entendimento, se torna exploração, socialwashing e um passivo para a marca.

Está na hora de mudar a mentalidade dos que acham que trabalhar com empresas inclusivas é fazer filantropia. Isso é contraproducente e, se divulgado, é socialwashing. Exemplos de como fazer diferente existem no mercado. Marketplaces, varejistas e algumas indústrias já estão adaptando sua maneira de trabalhar para reter fornecedores alinhados aos propósitos do ESG. São marcas que entenderam que se unir aos novos negócios orientados a um impacto positivo é um caminho pavimentado para uma atuação responsável. E uma via de mão dupla.

Lana Pinheiro
Editora de ESG na IstoÉ Dinheiro

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