“Os produtos orgânicos europeus, ou feitos para esse mercado, continuam sendo um show à parte. A qualidade é incrível, em todos os detalhes. Visitando os estandes e conversando com as pessoas ficou evidente a incrível evolução em design, marketing e inovação.”

Finalmente consegui reservar um tempo para fazer o que todo peregrino deveria, um pequeno diário de viagem. A última vez que visitei a Biofach, na Alemanha, havia sido em 2017. Então, posso garantir por conhecimento próprio o quanto as coisas podem mudar em sete anos, especialmente em um mercado cheio de dinamismo como o dos produtos orgânicos. Para quem não sabe, a feira BioFach, realizada anualmente em Nuremberg, é uma espécie de grande passarela dos orgânicos, onde o mundo que respira e transpira alimento saudável se reúne para moldar o futuro do setor. Aliás, vamos combinar que a BioFach não é apenas uma feira, mas um verdadeiro manifesto pela transformação ecológica do nosso sistema alimentar global. Os eventos oficiais e paralelos são oportunidades únicas de interagir, compartilhar conhecimentos e contatos, sobretudo nas áreas técnicas e comerciais.

E lá estava eu, sete anos depois, novamente representando a Organis e o Brasil, como já havia feito tantas outras vezes, nos tempos em que organizamos, por 12 anos, as primeiras grandes expedições de produtos orgânicos brasileiros no mercado internacional. Desbravar, antes de tudo, é emocionante, ainda mais de forma coletiva, pois o nosso estande na Biofach, e em outras feiras por esse mundão, era repleto de produtores brasileiros orgânicos em busca de novos territórios. O estande da Organis, com diversas parcerias, foi uma forma inteligente de viabilizar a participação de produtores que, sozinhos, não conseguiriam bancar o custo de um estande exclusivo. Além do fato de que, se apresentando em grupo, todos podem se beneficiar em conjunto do grande apelo que a rica natureza do Brasil representa.  Confesso que as primeiras impressões me deixaram um pouco preocupado. A feira não parecia estar tão movimentada quanto as que eu havia frequentado. Mas logo percebi que a BioFach 2024 estava apenas adaptada à nova realidade mundial, mais objetiva, não significando com isso, no entanto, que o ambiente deixe de ser de encontro, integração e confraternização.

Os produtos orgânicos europeus, ou feitos para esse mercado, continuam sendo um show à parte. A qualidade é incrível, em todos os detalhes. Visitando os estandes e conversando com as pessoas ficou evidente a incrível evolução em design, marketing e inovação. As embalagens são belíssimas e, ao mesmo tempo, criadas de forma a causar o mínimo impacto ambiental. Fica muito claro que o design para eles não é detalhe, mas parte integrante da filosofia e do próprio negócio, uma evolução que também já vemos no Brasil, com a melhoria constante do apelo visual dos produtos orgânicos. Claro que temos muito a navegar, mas estamos a caminho, profissionais qualificados e talentosos é o que não nos falta.

Fora do ambiente da feira, aproveitei para dar uma conferida na presença dos produtos orgânicos na Alemanha, e posso dizer que o movimento por lá continua firme e forte. A potência do selo Demeter é de deixar qualquer um boquiaberto e a variedade de produtos biodinâmicos à disposição é simplesmente incrível. Gostei de ver e também de imaginar que existe muito espaço para os orgânicos brasileiros, pois temos, entre outros diferenciais, uma variedade climática e étnica que eles não têm. 

Na Inglaterra, não foi diferente. Orgânicos por todos os lados, não só em lojas específicas como a já consagrada Whole Foods Market, mas, até nas grandes redes de supermercados convencionais. E a diferença de preço entre orgânicos e não-orgânicos é muito menor que no Brasil. Um custo muito mais amigável, eu diria. Se eles conseguiram essa proeza, o Brasil poderia pelo menos se aproximar, é assim que a gente conquista corações e estômagos: tornando o orgânico acessível a todos. Outro problema do nosso país que influi diretamente no crescimento dos ambientes de negócios, o orgânico entre eles, é o da brutal desigualdade de renda. A maioria dos nossos cidadãos não têm poder de compra suficiente para realmente optar por isso ou aquilo. Com o consumidor ligado no piloto automático da pura sobrevivência fica difícil implantar um novo conceito que implica em investir um pouco mais na sua saúde e na preservação do meio ambiente. Para o orgânico crescer, é necessário que o poder aquisitivo médio cresça e a demanda aumente, junto com o poder aquisitivo.

Portanto, claro que não dá para comparar no seco os mercados da Europa e do Brasil, mas o caminho não é diferente, requerendo políticas públicas, resiliência, produtividade, mais planejamento, equacionar a logística, ter menos imediatismo e um toque de marketing profissional nas relações com o varejo, para que ele se convença a abrir mão de um pouco da sua margem em troca do aumento do público consumidor. Nunca esquecendo de destacar um fato muito positivo dos poderes públicos brasileiros estarem, cada vez mais, incentivando o uso de produtos orgânicos nas merendas escolares. Isso já ocorre em diversas escolas municipais e estaduais. A cidade de São Paulo, por exemplo, adquire muita merenda orgânica e só não utiliza ainda mais por falta de fornecedores. Então, é um grande cliente em potencial buscando alternativas, o que abre possibilidades ao setor. No Paraná, várias cidades servem merenda saudável e o Governo do Estado instituiu uma lei definindo que a alimentação em suas escolas públicas  deverá ser 100% orgânica até 2030. Creio que essa tendência deva estar presente e em crescimento em outras cidades e estados. Cabe aos produtores, de forma organizada, trabalharem em conjunto com as autoridades para garantir que, se o percentual não puder chegar, em um primeiro momento, a 100% de alimentos orgânicos para todas as crianças e jovens matriculados, que pelo menos se determine um percentual mínimo dessas compras públicas. O crescimento do orgânico passa pela educação.

Quando falamos em relações com o consumidor, claro que existe uma boa parcela deles que teria condições financeiras de optar por orgânicos e não o faz por uma questão de mentalidade. Neste caso, cabe aos próprios orgânicos darem os primeiros passos na conquista de corações e mentes para suas fileiras. Comunicar mais, se unir mais, incentivar a entrada de mais players nessa mistura. Sempre lembrando que o gargalo do preço, no Brasil, não existe apenas para os orgânicos, mas com qualquer produto minimamente diferenciado. Um exemplo que me chamou a atenção nesta viagem foi o vinho Catena, que aqui é luxo e na Inglaterra custa três vezes menos. E olha que o produto é feito aqui do lado, na Argentina. É uma situação realmente anômala, mas que se tornou norma em nosso mercado, colocar uma carga de preços e impostos excessiva sobre essa, vamos chamar assim, classe média do consumo.  

Para não ficar apenas na comparação desproporcional com a potência econômica e o poder aquisitivo do Reino Unido, vou falar um pouco de Portugal, que, para mim, foi uma descoberta. Muito se fala em agricultura biológica por lá, e o potencial de crescimento dessa vertente é enorme. Tanto é que a Organis elegeu um português para embaixador orgânico do Brasil na Europa. Quem sabe o país irmão não se torna o nosso hub para o mundo orgânico? Portugal, além dos benefícios de fazer parte da União Europeia, tem sólida tradição comercial e forte presença no intercâmbio com a África e o oriente. E é nisso que a gente está trabalhando, em um porto seguro de onde o orgânico brasileiro possa chegar de forma mais qualificada nas grandes cadeias de varejo, nos grandes compradores internacionais.

Testemunhei, também, o aumento do número de produtos brasileiros orgânicos a ganharem espaço na Europa. Mas sabem de uma coisa? Temos potencial para mais, muito mais. E não apenas na forma de produtos com marcas próprias, mas, igualmente, como fornecedores de matérias primas certificadas necessárias para alimentar as cadeias locais de produção. Esse é um mercado enorme e, o que é melhor, possível de ser conquistado em curto e médio prazos pelos orgânicos do Brasil.

Bom, acho que é isso, por enquanto. Espero ter a sua companhia e parceria na próxima expedição. Cada viagem é uma verdadeira aula sobre o poder e o potencial dos alimentos orgânicos. Um lembrete de que estamos todos juntos nessa jornada rumo a um sistema alimentar mais sustentável e consciente. E acreditem, o futuro é orgânico. Até a próxima aventura!

Cobi Cruz é designer, diretor executivo da Organis, membro do Conselho do Instituto Giro, entidade gestora de logística reversa de embalagens em geral e conselheiro do Consea.

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