“Às vezes a gente olha para tudo isso que estamos vivendo e nos damos conta de que muita coisa de antes da pandemia não era normal.”

A pandemia se alonga, aprofundando as fraquezas de um convalescido país que demonstra não ter as condições para reagir de forma adequada. A falta de esperança parece se alastrar como o fogo das queimadas… o Brasil parece seguir na contramão de uma estrada que não sabemos quando termina ou para onde vai nos levar. 

Porém, o desejo de empreender de forma consciente transcende o desânimo e a falta de esperança. Na verdade, eles são combustíveis para a transformação da realidade. Dois exemplos brasileiros alimentam a minha alma nestes tão conturbados anos de 2020 e 2021. O primeiro case é o da Orgânico Solidário e o segundo, o da Orgânicos in Box. 

Orgânico Solidário – Eu conheci um dos fundadores do projeto, o empreendedor Aziz Camali Constantino, através de um amigo comum. Foi impressionante ouvir dele mesmo a história de quando, ainda nos primeiros dias da pandemia, ele acionou sua rede de contatos que, por meio do WhatsApp, fizeram um brainstorm para descobrir como ajudar pessoas “não privilegiadas” diante da ameaça da crise sanitária e seus efeitos econômicos. Ao invés de contribuir com cestas básicas, algo que já era o foco da ação de vários outros projetos, eles decidiram oferecer saúde através de alimentos orgânicos. 

Foi assim que ele e mais dois amigos decidiram fundar o Orgânico Solidário, conectando doadores com pequenos produtores de alimentos orgânicos, tendo como objetivo final a distribuição gratuita de cestas de hortifrúti para comunidades de baixa renda. 

Para os produtores, o projeto passou a ser também uma importante fonte de renda, já que muitos tinham perdido clientes, principalmente, restaurantes. Os números do Orgânico Solidário são impressionantes: em apenas um ano foram distribuídas quase 34 mil cestas de alimentos orgânicos para 72 comunidades nas capitais Rio de Janeiro e São Paulo e em outras três cidades, com 48 produtores envolvidos. 

Na busca de alternativas para levar a iniciativa para além da pandemia, o Orgânico Solidário vem engajando empresas parceiras do segmento orgânico, fortalecendo as sinergias e a circularidade do segmento-movimento orgânico. A Fazenda da Toca apoiará o projeto de forma continuada, destinando 3% da receita em produtos com o selo “Orgânico Solidário”. Clube Orgânico, Mais Vida Orgânicos, Organic4, Sítio Boa Terra, Sta Julieta Bio e Vale das Palmeiras estão entre as empresas que também estão apoiando nesse sentido. 

Orgânicos in Box – A empresa foi criada em 2014, a partir da percepção de sua fundadora, Aline Santolia, que morou na Califórnia e viu de perto o crescimento do segmento de orgânicos nos EUA. A Orgânicos in Box se define com uma plataforma que conecta consumidores e pequenos produtores por meio do delivery de cestas de produtos orgânicos. 

A pandemia serviu com um grande empurrão para acelerar o desenvolvimento da empresa que cresceu 200% em 2020. Por conta das medidas de distanciamento social, muitas pessoas adotaram o delivery também para os produtos da feira, ao mesmo em que passaram a dar maior importância aos alimentos orgânicos por conta dos seus benefícios para saúde, como já relatamos nesta coluna. 

A Orgânicos in Box vem dominando processos críticos para a cadeia de orgânico. A logística de produtos frescos nas grandes cidades é um bom exemplo. Outro é a integração do planejamento de produção com produtores para oferecer o que o cliente quer consumir ao longo do ano. A empresa planeja agora ampliar sua atuação além da cidade do Rio de Janeiro. Para viabilizar essa expansão, a Orgânicos in Box está atraindo investidores através de plataforma de investimento da Eqseed, conhecida como modalidade crowd-equity, que geralmente é acessada por startups de tecnologia. Com isso, outras cidades poderão conhecer esse modelo inovador e dinâmico de acessar alimentos orgânicos. Certamente, ela poderá influenciar o jeito que fazemos a feira orgânica em muitas outras cidades espalhadas pelo Brasil. 

Pontos comuns 
Observando o fenômeno por trás desses dois empreendimentos consigo identificar alguns pontos comuns: 

  • Duas iniciativas que se veem como ponte, como o elo de conexão, sejam entre consumidores dispostos a pagar ou comunidades que também precisam de uma alimentação saudável, e produtores orgânicos, construindo assim cadeias eficientes de produção e consumo de alimentos orgânicos; 
  • Visão transformadora com alta capacidade de execução. Os dois empreendimentos “nasceram do zero”. São empreendimentos extremamente desafiadores e demandam alta carga empreendedora, capazes de construir o caminho ao caminhar.
  • Grandes ativos construídos a partir da orquestração de redes. 

Ausência de governo ou de qualquer raiz ideológica. É uma juventude empreendedora com muito pragmatismo para trazer para o mundo o que é preciso, sem ficar esperando uma solução que caia do céu. 

Às vezes a gente olha para tudo isso que estamos vivendo e nos damos conta de que muita coisa de antes da pandemia não era normal. Afinal, por que pessoas de baixa renda não podem ter acesso a alimentos orgânicos? Ou por que não receber minha feira orgânica em casa toda semana? Hoje muitos serviços se tornaram mais eficientes para lidar com as restrições do isolamento social, aproveitando o que cada um faz de melhor. Nos dois exemplos que eu trouxe, as pessoas ousaram questionar. E, mais do que exceções, eles são INSPIRAÇÕES para muito além dos estranhos dias de hoje!

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