“Se sonhamos com um campo onde os desafios da agricultura familiar devam ser enfrentados com dignidade e respeito à sua diversidade e complexidade, nossas reflexões não devem se limitar aos aspectos econômicos da produção”

Os estudos que comprovam a importância socioeconômica da agricultura familiar no Paraná e no Brasil evidenciam cada vez mais a capacidade de resposta que ela é capaz de dar às políticas públicas, sobretudo, as de concessão de crédito e de geração de renda.

Diante disso, a divulgação das informações relativas ao Plano Safra da Agricultura Familiar pela FETAEP possui um caráter estratégico para as famílias que vivem no campo, pois com este tipo de serviço é cada vez maior o número de agricultores e agricultoras que tomam conhecimento de seus direitos, das condições e dos canais existentes para acessá-los.

Se sonhamos com um campo onde os desafios da agricultura familiar devam ser enfrentados com dignidade e respeito à sua diversidade e complexidade, nossas reflexões não devem se limitar aos aspectos econômicos da produção, pois a agricultura familiar além de ser um meio de vida, representa também um modo de vida resultante da história, da cultura e das condições sociais que a caracterizam.

Nesse sentido, temos observado que o espaço cada vez maior da agroecologia e da produção orgânica na agricultura familiar advém de projetos de extensão rural que adotam uma visão sistêmica, ou seja, que consideram as dimensões econômicas, culturais, históricas, sociais e ambientais de forma interdisciplinar e reconhecem a centralidade da família no sistema de produção. 

Dados obtidos junto ao Cadastro Nacional de Produtores Orgânicos do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), de novembro de 2019, mostravam o Paraná como líder no número de produtores orgânicos certificados (3.490), tendo havido um crescimento de 35% entre 2018 e 2019. E, tal crescimento também pôde ser observado em diferentes regiões, como no Oeste e o Centro-Sul Paranaenses com crescimentos de 205% e 147%, respectivamente, o Sudoeste com 90%, o Norte Pioneiro com 64% e a Metropolitana de Curitiba com 11,5%, embora essa seja a região com o maior contingente de produtores
orgânicos certificados. Os dados do MAPA de julho de 2020, porém, indicam a presença de 3.505 agricultores orgânicos certificados no Paraná que, com isso, passou a ocupar o segundo lugar no país.

A presença da agroecologia e da produção orgânica, majoritariamente, em propriedades familiares pode ser justificada por diversas razões, inclusive pelas características inerentes ao sistema familiar. Como sabemos, os modelos tecnológicos e de gestão da produção associados a esses paradigmas são fortemente dependentes do uso da força de trabalho, sendo assim, sistemas de produção alicerçados na família tendem a apresentar uma maior eficiência econômica.  

Além disso, como a preservação do patrimônio é uma variável fundamental em sistemas familiares de produção, a maior aversão a riscos de mercado os fazem organizar agroecossistemas mais diversificados, terem maior preocupação com a preservação os recursos naturais, especialmente, a água e o solo, e atuarem com canais de comercialização mais curtos, valorizando uma maior proximidade com o consumidor final.

A adoção da agroecologia e a produção orgânica, por sua vez, também tem causado importantes transformações do ponto de vista cultural e social na agricultura familiar. Um exemplo disso é a consciência cada vez maior de que a conversão do modelo tecnológico deve necessariamente levar à obtenção de um certificado de conformidade orgânica, levando-os a aceitar adaptações em seus modelos de produção e de organização com relação aos parâmetros legais da certificação.

O rigor das normas de certificação orgânica tem levado os agricultores familiares a se reeducarem em diferentes aspectos. Um deles é a incorporação em sua rotina diária do caderno de campo e a disciplina de realizar e manter registros atualizados, bem como a guarda de documentos. No caso do modelo participativo, em particular, afloram-se também atitudes como a organização e a gestão em grupo, a responsabilidade e a honestidade, uma vez que a certificação obtida tem um caráter coletivo e de auto regulação entre os próprios agricultores.

Não podemos deixar de citar também a crescente disposição dos agricultores familiares de aprenderem novas formas de manejo e de conhecerem novas tecnologias, o que tem levado a uma procura cada vez maior por eventos como dias de campo, vitrines tecnológicas, oficinas, cursos etc. 

O resultado disso é o sucesso de público observado em eventos de extensão rural que reúnem produtores para demonstração de técnicas e trocas de experiência, como no II Dia de Campo Orgânico, ocorrido em 31 de outubro de 2019 na cidade de Bandeirantes, Norte Pioneiro do Paraná, promovido pelo Núcleo de Estudos de Agroecologia e Territórios (NEAT) da UENP (Universidade Estadual do Norte do Paraná) e pelo IDR-PR (Iapar – Emater) Regional de Cornélio Procópio, com apoio do Programa Paraná Mais Orgânico e da FETAEP, onde compareceram em torno de 1.200 visitantes de 85 municípios, entre agricultores familiares, profissionais da extensão rural, estudantes etc.

Articulações dessa natureza entre a academia e os movimentos sociais do campo tem ocorrido em todo país e representam a reafirmação dos compromissos do ensino superior com a agroecologia e a agricultura familiar, recentemente, potencializados pela implantação e manutenção dos Núcleos de Estudos de Agroecologia (NEAs) em Universidades Públicas e Institutos Federais de todo território nacional.

No Norte Pioneiro do Paraná, este papel de articulação regional foi assumido pelo Núcleo de Estudos de Agroecologia e Territórios (NEAT) da UENP que, fortalecido por meio de editais governamentais e pela atuação em parceria, mantém uma equipe de profissionais e estudantes de graduação que desenvolvem as ações do Programa Paraná Mais Orgânico em mais da metade dos municípios da região, incluindo a assessoria agronômica aos processos de conversão orgânica, a capacitação dos produtores e profissionais da extensão rural e o acompanhamento das auditoria realizadas pelo TECPAR na região.

Como parte de sua estratégia de promoção da agroecologia e produção orgânica no Norte Pioneiro, o NEAT inaugurou em 2016, durante o I Dia de Campo Orgânico, a Estação Experimental Agroecológica “Terra Livre”, uma área dentro da Fazenda Escola da UENP/Campus Luiz Meneghel na cidade de Bandeirantes, totalmente livre de agrotóxicos, fertilizantes químico-sintéticos e sementes transgênicas.

O objetivo foi a criação de uma estação de cultivo onde são demonstradas práticas agrícolas da agricultura orgânica, dando assim um caráter prático aos cursos e oficinas promovidos pelo NEAT. Nessa área, são cultivadas diversas hortaliças a céu aberto e em estufa, estão implantadas três unidades de referência de sistemas agroflorestais, cujo foco é a geração de renda com café orgânico, frutas, hortaliças, pupunha e madeira e estão sendo conduzidos experimentos com café orgânico em sistema de sombreamento com diferentes adubos verdes.

Hoje, em plena pandemia da Covid-19 e isolamento social, temos aprendido a dar mais valor à produção de alimentos saudáveis e a uma comercialização baseada na economia solidária. Porém, não podemos perder de vista que os avanços ocorridos na agroecologia e na produção orgânica são resultados de políticas públicas criadas ou fortalecidas por governos populares que tinham compromissos com as pautas dos movimentos sociais do campo, como o PRONAF Agroecologia, o Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA), o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), o Programa Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (PNATER) e o Programa Paraná Mais Orgânico, dentre outros. 

Por fim, creio que devemos assumir uma posição de defesa pública dos Núcleos de Estudos de Agroecologia (NEAs) que, articulados a essas políticas e programas, vem ressignificando a relação entre a academia e a agricultura familiar e levando professores, estudantes e profissionais filosoficamente comprometidos a promoverem o diálogo entre o conhecimento científico e o saber popular na luta pela emancipação, autonomia e sustentabilidade da agricultura familiar.

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Com a colaboração da Jornalista Daniani Renata de Souza (PMO).

Prof. Dr. Rogério Barbosa Macedo
Núcleo de Estudos de Agroecologia e Territórios (NEAT) da Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP)
Os artigos assinados são de responsabilidade dos seus respectivos autores e não refletem necessariamente a opinião da Organis.

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