“Por que não valorizar os enormes ganhos em segurança alimentar e segurança dos próprios produtores, que ao produzir deixam de pôr suas as vidas em risco, deixam de poluir o meio ambiente, deixam de gerar alimentos com resíduos!? “

Vimos recentemente críticas contra a agricultura orgânica feitas por Erik Fyrwald, da Syngenta, Gil Reis, da Agro em Dia, Bjørn Lomborg, do Consenso de Copenhagen, e de alguns outros, de que a agricultura orgânica é incapaz de alimentar o mundo, de alcançar altas produtividades, que a agricultura orgânica quebrou Sri Lanka – que decidiu radicalmente parar de importar adubos e agrotóxicos – e até que os produtores deveriam parar de produzir com agricultura orgânica.

Vamos analisar as críticas:

Que a agricultura orgânica é incapaz de alimentar o mundo. Desculpe, e a convencional, é capaz? Ninguém morre de fome atualmente no mundo? Um momento, por favor: a agricultura convencional está abastecendo fartamente todas as cozinhas do mundo? Não é preciso ser nenhum gênio para concluir que o problema da fome não é técnico. É político, é econômico, que impede que todos tenham acesso aos alimentos. Se todos pudessem ter acesso aos alimentos, com certeza a distribuição da produção mundial seria diferente, assim como a escolha sobre o que produzir. Milho e soja, por exemplo, provavelmente não seriam prioridades, e sim os cereais clássicos dos continentes asiático e africano, que são mais identificados, no aspecto cultural, com maioria da população mundial. O tema carne também teria outra configuração, pois nem todos os povos do mundo consomem carne três vezes ao dia, como fazem os ocidentais. Não digo que haveria menor consumo, não, pois com livre escolha, certamente carne seria pauta, mas o tipo de carne e a origem seriam diferentes. Imaginemos se toda a população da China, Índia e África tivesse hoje acesso abundante a alimentos, teríamos alimentos suficientes? Isso é impossível, atualmente, e provavelmente não o será em 2050, porque as barreiras ao consumo são políticas e financeiras, não técnicas.

Outro aspecto a ser abordado: a preocupação sobre o desenvolvimento do orgânico não deveria ser de interesse de todos? Segundo o Banco Mundial o mundo tem tinha 48 milhões de km2 em área agrícola em 2018. https://data.worldbank.org/indicator/AG.LND.AGRI.K2. A agricultura orgânica conta com 750.000km2 em 2020, segundo a FiBL (The Research Institute of Organic Agriculture ) . Ou seja, cerca de 1,5 % da área agrícola do mundo é hoje orgânica – é pouco, mas é exatamente isso que traz um potencial de grande desenvolvimento futuro em tecnologia. Seria um erro extrapolar e projetar a produtividade da agricultura orgânica de hoje para o futuro, que certamente irá aumentar, com fomento e pesquisa e irá superar seguramente os índices de produtividade relatado na base nos dados atuais. Isso é inevitável, já temos pelo mundo relato de produtividades maiores com orgânico do que convencional em várias culturas e técnicos alcançando produtividades medias semelhantes ao convencional com orgânico em várias áreas como veremos abaixo.

Ainda, sobre as pontes entre o convencional e o orgânico: não conheço nenhum bom projeto de agricultura orgânica que não carregue uma boa dose de tecnologia moderna em sua produção. Seja em sementes, em adubação, em controle de ervas invasoras, pragas e doenças, controle biológico e na pós-colheita. De onde vem toda esta tecnologia? Em boa parte, da academia e da agricultura convencional. Também conheço vários projetos que migraram os conhecimentos técnicos adquiridos no orgânico para suas produções não orgânicas, quando ainda não têm toda sua produção transformada em orgânica, ou seja, as duas formas de agricultura dialogam entre si, e não poderia ser diferente. E quanto mais dialogarem, mais a convencional se tornará sustentável, e mais técnica e robusta a orgânica será.

Sobre as altas produtividades: Ninguém está demonizando as altas produtividades, elas são bem-vindas, mas a que custo? Que tal avaliarmos isso? Não podemos ignorar os avanços da academia de ciências agronômicas conquistados nos últimos anos, temos que extrair o que têm de melhor, mas não quando estão causando problemas ambientais e sociais. Solos estão sendo perdidos, contaminados, desequilíbrios ambientais e nutricionais ocorrem, solos são degradados a ponto de estarem praticamente inúteis e aparentemente irrecuperáveis, mas com matéria orgânica e biodiversidade microbiológica voltam a produzir. Os atuais indicadores que não refletem as externalidades negativas do atual modelo. Já existem alguns indicadores comumente usados por cientistas em avaliações mas não há ainda senso comum sobre quais devem ser normalmente usados e seus índices médios ideias.

Sobre as baixas produtividades do orgânico: Não devemos esquecer que temos hoje claramente delineados os reflexos e consequências negativas da “revolução verde”, que iniciada nos anos 70 priorizou produtividade até o máximo potencial genético da planta, sem levar em consideração aspectos negativos ou questionáveis como poluição, salinização e exposição dos solos, contaminação dos alimentos.

Como ciência nova, sendo que sempre foi conduzida de forma empírica, o orgânico busca expandir suas potencialidades. As culturas que conseguem gerar nitrogênio em seus próprios organismos, como as leguminosas e – agora sabemos – algumas gramíneas, têm as suas as produtividades (da soja e da cana orgânicas, por exemplo) muito próximas das do convencional, e podem até ser superiores; na cana-de-açúcar isto já está mais do que provado. Em sistemas orgânicos de escala mais reduzida, em que se consegue adubação intensiva, como na produção de hortaliças, a produtividade também não diferem da do convencional. Porém, nas culturas em que a adubação nitrogenada sintética causa grande salto em produtividade, como café, milho e trigo por exemplo, as produtividades do orgânico ficam aquém, em torno de 20%, segundo as estatísticas mundiais. Também devemos levar em consideração que nos sistemas orgânicos aspectos complementares porém não menos importantes são trabalhados como estimulo à vida no solo, aspectos de recomposição/regeneração do meio ambiente e manutenção do potencial produtivo através destas medidas, que de uma maneira ou de outra contribuem para a fertilidade do sistema em geral.

Porém convenhamos, se a agricultura orgânica não representa nem 2% da produção mundial, tanto em volume como em valor, então do que estamos falando? Estamos falando de uma forma de agricultura em estágio inicial de desenvolvimento. Quanto se investe em pesquisa e estrutura de suporte para a agricultura orgânica em comparação com a convencional? Praticamente nada. Basta comparar-se o que a Embrapa, as grandes multinacionais, o USDA e os governos das grandes potências investem em pesquisa na agricultura convencional, são bilhões de dólares. E na agricultura orgânica? Não há dados, mas conhecendo o setor entendo que são investimentos restritos. Esta semana, o governo Biden anunciou injeção de U$ 300 milhões na agricultura orgânica, o que devemos aplaudir, mas não é em pesquisa, é na estrutura de suporte como crédito e assistência técnica. O que também é necessário. A Europa anunciou recentemente meta de chegar em 25% da área cultivada com agricultura orgânica. O quanto se investe no Brasil, na agricultura orgânica, em pesquisa, crédito e assistência técnica e em proporção significativa à agricultura convencional não se sabe. E não é divulgado. Ansiamos pelo próximo PPA-Plano Plurianual que vem aí para o orgânico no Brasil. Ansiamos por um amplo programa nacional de apoio á agricultura orgânica. Não deixamos de reconhecer o que já se conquistou com estrutura no MAPA- Ministério de Agricultura, Pecuária e EMBRAPA.

Sabemos que quem gera a tecnologia da agricultura orgânica são, principalmente, os próprios produtores, que, acreditando em suas visões, ideias e utilizando recursos próprios e aliando ao que tem de melhor na tecnologia agrícola nacional, criaram sistemas de sucesso. Esta ainda é a realidade hoje, porém também sabemos que sem ajuda das estruturas de pesquisa e fomento, extensão rural, universidades, escolas técnicas e marketing educativo será difícil.

Sobre os problemas havidos em Sri Lanka: relatos nos informam (https://www.organicwithoutboundaries.bio/2022/06/02/why-we-cannot-blame-the-sri-lankan-crisis-on-organic-farming/ ) que a decisão de não importação de insumos modernos para a agricultura foi muito mais uma decisão política  e imediatista para economizar recursos, do que uma transformação consciente e planejada da produção local, de convencional para orgânica. A decisão foi repentina, de parar as importações, e ocorreu o tenta-se evitar a todo custo no Brasil, de cessarem as importações de adubos. Não se transforma um sistema de agricultura em outro por decreto, sem planejamento, sem inteligência, sem estratégia.

Para que possamos avançar na direção do orgânico e sustentável, precisamos selecionar os bons exemplos que emergirão de Sri Lanka, daqueles que já estavam lá antes, fazendo um bom trabalho e irão sair da crise mostrando como fazer. Olhar para os bons exemplos de produtores orgânicos no Brasil, como as quatro usinas existentes de açúcar orgânico (https://www.canaverde.com.br/ufra-usina-sao-francisco/), a Korin (https://www.korin.com.br/quem-somos/), a Fazenda da Toca (https://fazendadatoca.com.br/ ), em sistemas com maior escala. Apreciar e valorizar as dezenas de milhares de produtores orgânicos no Brasil, já chegam a quase 25.000! E que estão tendo sucesso e reconhecimento de suas produções, com estruturas criadas pelos próprios produtores (!) e que hoje movimentam aproximadamente U$ 1 bilhão com a produção no Brasil. Por que não valorizar os enormes ganhos em segurança alimentar e segurança dos próprios produtores, que ao produzir deixam de pôr suas as vidas em risco, deixam de poluir o meio ambiente, deixam de gerar alimentos com resíduos!? E não esqueçamos que hoje já são mais de 3,4 milhões de produtores no mundo que alcançaram este status, para o qual não existe mais volta e para o qual, daqui para frente, só vislumbramos a melhoria de produtividade e aumento de escala, pois todos sabemos que os sistemas de produção orgânica precisam e buscam constante melhoria, mesmo que em seus pequenos sistemas de produção. Não seria inteligente desprezar e desconsiderar este sucesso.

Por outro lado, temos que olhar para o sucesso do plantio direto, como inspiração e aprendizado para sistemas menos poluidores e emissores de carbono, e nos perguntar se iremos querer eternamente o glifosato que já está dentro de nós como contaminante, ou se vamos avançar e encontrar um herbicida mais natural. Temos que aplaudir a agricultura de precisão, o controle biológico, a tecnologia da informação, a miniaturização dos equipamentos (drones), que aumentam a precisão e diminuem os custos, aplaudir as técnicas de produção genética, o conhecimento da química e biologia do solo…todas são facetas do mesmo problema, e os orgânicos já operam com estas tecnologias, quando aceitas pelas normas.

Observando o agro como um todo na busca de compensações ambientais e de mitigação de emissão de carbono, já temos excelentes propostas de tecnologia integrada como o ILPF ((Integração lavoura, Pecuária e Florestal- https://www.embrapa.br/tema-integracao-lavoura-pecuaria-floresta-ilpf e https://alfonsin.com.br/notcias-globo-rural-vence-prmio-de-reportagem-com-matria-sobre-carne-carbono-neutro/ (destaque ao sistema Carne Carbono Neutro- Embrapa)) ou derivados, manejo intensivo em pastagens agregando mais carbono ao sistema , seja na parte aérea do pasto como na fase radicular, e ainda temos em situações bem especiais sistemas agroflorestais, https://www.embrapa.br/codigo-florestal/sistemas-agroflorestais-safs  ,  mostrando belos resultados tanto de viabilidade econômica assim como ambiental e de fixação de carbono.

Falta, porém o reconhecimento institucional maior. Chega de acidentes de contaminação, chega de meio ambiente degradado, chega de leite e sangue contaminados, os orgânicos são solução para tudo isso, no mínimo são fonte de inspiração. Mecanismos de apoio ao orgânico, com abatimento de tributos (adoecemos menos com orgânico – a sociedade gasta menos!) As pesquisas indicam tendência de menos câncer com o maior consumo de orgânicos. https://jamanetwork.com/journals/jamainternalmedicine/fullarticle/2707948#:~:text=Our%20results%20indicate%20that%20higher,frequency%20of%20organic%20food%20consumption

Crédito e estruturas para divulgar as tecnologias orgânicas estão ainda no limbo, ainda estão por vir.

Precisamos lembrar que a questão ambiental é extremamente complexa e há relações e impactos ainda pouco entendida. Há um outro assunto importantíssimo, que está escapando das nossas mãos, basta ver os problemas de reprodução humana nas sociedades modernas, “…uma variedade de estilos de vida e fatores ambientais também estão conspirando para suprimir a fecundidade humana e, como resultado, o impacto pode ser mais permanente. Em nenhum lugar isso é mais evidente do que na capacidade de reprodução masculina. A qualidade do sêmen humano é notoriamente ruim e a infertilidade masculina é conhecida por ser uma condição altamente prevalente (Agarwal et al., 2015; Aitken, 2020a). Além disso, a contagem de espermatozóides caiu pela metade nos últimos 50 anos, tanto no Ocidente industrializado quanto no Oriente, incluindo a China (Levine et al., 2017; Lv et al., 2021; Swan e Colino, 2021). Essa mudança está ocorrendo de forma tão universal e tão rápida que não pode ter uma base genética, mas deve estar sendo induzida ambientalmente. O fenômeno levanta questões importantes sobre a natureza dos fatores ambientais envolvidos e se tais mudanças no número de espermatozóides estão afetando materialmente a fertilidade humana.” https://academic.oup.com/humrep/article/37/4/629/6515525

Por fim, que cesse a polarização e consigamos unir esforços. Ainda não inventaram um segundo planeta, e este já está bastante poluído e problemático, está na hora de caminharmos para uma agricultura orgânica regenerativa em amplo espectro, que alie à produção o máximo de aspectos possíveis de manutenção e perenização da vida e dos sistemas produtivos. Esta é a única direção. Façamos acontecer agora!

Alexandre Harkaly
CEO QIMA IBD

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