“Que vantagem, digamos, poderia o Feijão A oferecer ao público em relação aos feijões de B a Z para conquistar, manter e ampliar sua fatia de mercado? Um nome simpático? Uma embalagem atraente? Patrocinar o clube, o artista ou a causa preferida do cliente? Promover sorteios? Ou, pelo outro mesmo lado, achar um jeito de ser mais prático, saboroso, barato e disponível?”

Você já ouviu falar nessa marca? Esta é a primeira das primeiras perguntas de muitas que precisam ser feitas para se definir com alguma segurança a quantas anda o market share de sua marca. E a partir daí interpretar de cabeça aberta as informações colhidas para entrar em ação – se é que se deseja, de fato, que ela seja buscada.

Nesse ponto, entra mais uma questão: o que é esse tal do market share? Para começar, a palavra share é parte fundamental do mundo dos negócios, especialmente em marketing e propaganda. Ela designa a porção, o pedaço, a fatia, enfim, a parte do mercado que uma determinada marca ocupa ou pretende ocupar. Complicações à parte, a ideia por detrás do conceito de “marca” é simples, desde que conheçamos suas origens.

Então, para dar a partida, aqui vai uma pequeníssima síntese histórica do conceito de marca, no sentido usado em nosso artigo. E as origens dela são bem interessantes e, podemos até dizer, revolucionárias. Isso mesmo, lá nas suas origens, nos EUA do século retrasado, a marca foi uma ferramenta de libertação que os produtores americanos desenvolveram para enfrentar poderosos monopólios e oligopólios que dominavam com mão de ferro a armazenagem, o transporte e a comercialização dos produtos alheios.

A inspiração para a denominação “marca” vem do costume dos vaqueiros americanos de “marcar” o rebanho com o nome da fazenda, para que pudesse ser reconhecido nas pradarias abertas em que se misturavam suas reses com o gado alheio. Esquentando nossa conversa, lembro que a própria palavra “brand” vem do norueguês antigo e significa, literalmente, “queimar”.

Para entender melhor o nosso enredo, vamos a um trailer. Imagine que a imensa maioria dos produtos eram, até então, vendidos sem nenhuma assinatura ou com uma designação genérica. A procedência não importava, pois os intermediários, combinados entre eles, ditavam as regras, explorando os produtores com preços aviltantes, emprestando dinheiro a juros extorsivos, interferindo nas decisões internas, corrompendo as instituições democráticas e outros abusos, inclusive violentos e ilegais, que seu poderio econômico concentrado permitia.

Até que, um belo dia, surge nossa heroína, sim, ela mesma, a Marca, uma forma genial de colocar na balança um aliado de peso, o consumidor. Os produtos deixariam de ser objetos sem rosto e sem origem para ganharem nome e serem escolhidos pelas pessoas por seus atributos materiais e imateriais. Com o advento da propaganda das marcas em moldes profissionais, veio a pressão do consumidor e por consequência, toda a cadeia teve que se adaptar.

Aí entra o share. Que vantagem, digamos, poderia o Feijão A oferecer ao público em relação aos feijões de B a Z para conquistar, manter e ampliar sua fatia de mercado? Um nome simpático? Uma embalagem atraente? Patrocinar o clube, o artista ou a causa preferida do cliente? Promover sorteios? Ou, pelo outro mesmo lado, achar um jeito de ser mais prático, saboroso, barato e disponível? Chegamos ao share da questão, que se tornou arte, ciência e, para os exagerados, a religião do mercado. Inclusive, mais modernamente, alguns buscam descobrir, antes de lançar um produto ou serviço, algo que chamam de “conhecer a dor” daquele mercado, para, depois, então, poder oferecer a cura.

Pulemos agora para a parte que interessa diretamente ao nosso raciocínio. Acontece que, com o desenvolvimento do marketing e seus números implacáveis, percebeu-se que as decisões do consumidor se davam, muitas vezes, bem longe da lógica do “compre um, leve três”. Hoje, com o avanço da estatística, inclusive em tempo real, sabe-se que os produtos de consumo são vistos e sentidos como parte das vidas das pessoas e têm um determinado lugar na mente delas. E é essa corrida do ouro para conquistar uma parte nesse “lugar” que move as mais modernas concepções. Descobriu-se que é necessário ganhar a confiança e estar presente nesse território simbólico muito antes da definição material da compra, coabitando com os sentimentos, ideias, convicções e valores do consumidor.

Claro que isso é uma síntese do assunto, destacando apenas o que diz respeito ao nosso tema. Para ouvir mais, saber mais, é preciso estudar mais, pesquisar mais, inovar mais e, especialmente, praticar efetivamente o conceito das “muitas vozes” em seu negócio.

Dito isso, caímos em outra perguntinha: qual é a parte que cabe aos orgânicos nisso tudo? A boa notícia é que os nossos conceitos estão cada vez mais poderosos nos corações e mentes das pessoas. Ocupamos um share precioso em valores e sentimentos muito caros a elas, como preservação ambiental, saúde, boa alimentação e outros. Isso não é pouco, pois, como podemos perceber, corporações de todos os tipos travam uma guerra e gastam montanhas de dinheiro para chegar ao patamar que os orgânicos alcançaram em conjunto.

Essa foi a notícia boa. A má notícia é que as marcas dos orgânicos ainda não transformaram esse riquíssimo patrimônio de imagem em proporcional conquista de mercado. Pelo contrário, são muitos os exemplos de setores empresariais altamente nocivos à vida do planeta levantando as nossas bandeiras e tentando se apossar, à custa de muitos trilhões e toneladas de fake news, de um lugar que conquistamos honestamente, e a duras penas, na mente do consumidor.

Resumindo, a ideia orgânica já está lá, como um todo, o que falta é que essa presença altamente positiva seja aproveitada pelas marcas orgânicas. Para que essa ideia fique mais clara e, portanto, mais utilizável pelo movimento, elaborei um brevíssimo resumo, em ordem crescente, dos níveis de “share” a conquistar no processo de construção da marca.

1. Share of voice. É quando a marca é conhecida por “ouvir falar”. É um primeiro caminho aberto para a mente do consumidor e deve ser trabalhado para se consolidar.  

2. Share of mind. É quando o consumidor já não precisa mais “ouvir falar” da marca para reconhecê-la, pois já a considera quase um sinônimo do produto.

3. Share of needs. Nesse patamar, a marca, mesmo não sendo a mais falada e nem a referência do seu setor, é escolhida pelo consumidor por nela ver a satisfação de seus desejos e necessidades.  

4. Share of powers. Chegando aqui, a marca alcança tamanho poder de atração junto aos consumidores que essa força se materializa em todas as suas negociações com o mercado. Sua presença em destaque passa a ser quase obrigatória nos pontos de venda, promoções, divulgação, etc.  

5. Share of heart. Nessas alturas, a marca conquistou a aprovação emocional do cliente, que passa a vê-la como a companheira ideal em determinados momentos da sua vida.  

6. Share of wallet. Aqui, a pessoa já não vê mais necessidade de buscar alternativas para a marca, pois tem com ela uma relação consolidada e os produtos e serviços oferecidos por ela são naturalmente incluídos em seu orçamento.  

7. Share of value. Estamos quase no topo do mundo dos “shares”, momento em que a pessoa sente empatia com os valores da marca e deixa de ser apenas consumidor para se tornar sua fã, divulgadora e defensora.  

8. Share of engagement. Aqui, a pessoa já vê a marca como uma aliada em causas importantes para ela e a leva em conta nos diversos fóruns da sua vida. E não se trata – é preciso deixar bem claro – de uma questão de simples quantidade de aparições nas redes sociais e afins – pois isso até criminosos conseguem – mas da qualidade dessa presença. Quando verdadeiramente engajado, o consumidor passa a discutir, concordar, discordar e, até, criticar as ações da marca, mas dando mostras de que leva a sério os seus compromissos, a ponto de desejar, inclusive, dar sua colaboração para o aprofundamento dos objetivos dela na sociedade, pois considera que eles também são um pouco seus.

Não é um caminho fácil, mas convém relembrar que as marcas orgânicas entram nessa escalada com forte impulso inicial: a imagem positiva que o movimento como um todo consolidou na sociedade. A partir dessa base firme podemos, em moldes profissionais, ocupar, passo a passo, o território que desbravamos na mente do consumidor. Antes que os aventureiros o façam.

Cobi Cruz
Diretor na Organis – Associação de Promoção dos Orgânicos

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