“Tempos atrás, fez imenso sucesso nas redes sociais uma série de fotos de grandes obras que foram modificadas por pressão da sociedade, inclusive de uma operadora de autoestrada que foi “convencida” a investir na mudança de seu traçado para poupar uma única árvore.”

Entrevista concedida por Cobi Cruz ao jornal ONews.

Onews: O que é a Organis? Quando, por meio de quem e onde a Organis nasceu no Brasil?

Cobi Cruz: Organis surgiu da Organic Brasil, um projeto em parceria com a Apex voltado especificamente à promoção da exportação de produtos orgânicos brasileiros. Levamos adiante essa intensa parceria de 2005 a 2017. Nesses doze anos de experiência internacional, percebemos que o Brasil, para aumentar presença no mercado externo, precisava fortalecer suas bases. Daí para a criação da Organis, foi um passo natural. Era necessária uma organização que representasse, unisse, fortalecesse e divulgasse conceito, marcas e produtos orgânicos no mercado interno. Com olhos também na exportação, mas sabendo que é consequência do sucesso no âmbito local.

Institucionalmente, a Organis é a Associação de Promoção dos Orgânicos – uma entidade sem fins lucrativos, que trabalha para divulgar os conceitos e as práticas orgânicas.

Na prática, acabamos avançando um pouco além nesta grande seara. Atendendo às necessidades e desafios do setor, nos tornamos uma espécie de liga, de atalho que aproxima as diversas frentes da cadeia produtiva dos orgânicos: produtores, prestadores de serviço, processadores, indústria e varejistas.

Estamos nos tornando, também, uma referência no âmbito técnico, agregando o saber de especialistas e pesquisadores, mas não paramos por aí e não concorremos com entidades científicas.

Desejamos ser uma vitrine permanente dos orgânicos para o público em geral, utilizando para isso todas as ferramentas da comunicação. Queremos “traduzir” os conceitos do movimento orgânico para o idioma do consumidor, de forma clara e agradável.

Pensando bem, nossa missão principal, aquela que está em nosso DNA, é trabalhar na criação de novas oportunidades para os nossos associados, não apenas junto ao público em geral, mas, também, na promoção de relacionamentos produtivos e  parcerias dentro do setor.

Quem pode se associar à Organis?
A Organis está aberta a todas as pessoas físicas e jurídicas que trabalhem direta ou indiretamente com o setor: produtores, indústria, varejistas, distribuidores, prestadores de serviços, além de ONGs, órgãos governamentais, pesquisadores, estudiosos e outras associações. Nossa missão é educar, difundir, unir, articular, então o nosso público é o mais amplo possível.

Quais as mais importantes e recentes conquistas da Organis para o setor?
São muitos os avanços e eles podem ser medidos, por exemplo, pelo constante aumento de audiência em todos os nossos canais de comunicação. O portal Organis ultrapassou a marca de 20 mil visitas individuais por mês. E não para de crescer. A interação nas páginas no Instagram e no Facebook é excelente. Respondemos atualmente mais de mil e-mails por mês, de gente interessada em diversos aspectos do movimento orgânico, inclusive muitas de consumidores. As nossas pesquisas, realizadas em 2017 e 2019, foram muito bem recebidas pelo mercado e são vistas como ferramentas que faziam falta para se ter uma visão geral realista e atualizada do mercado. Outra conquista da Organis é ter chegado a 70 associados em todo o Brasil, um número expressivo e que cresce a cada mês.

O que são os Orgânicos?
Os orgânicos em movimento têm muitas facetas e seus produtos ainda são confundidos. Por isso, popularizar o correto conceito orgânico é uma de nossas missões. Em nosso portal existem diversas ferramentas que ajudam desde aquele que nada sabe até aquele que trabalha na área, mas quer fortalecer e ampliar sua visão. Nosso e-book “O que é produto orgânico?” tem sido muito baixado e, inclusive, é utilizado por produtores para facilitar seus contatos com varejistas e distribuidores que desejam entrar nessa área. Ele traz uma síntese compreensível, agradável e seu formato de perguntas e respostas faz dele, também, um bom instrumento didático.

Qual é o primeiro passo para a conscientização e mudança de hábitos do cidadão comum e seus familiares rumo ao consumo de orgânicos?
O consumidor precisa ser informado, seduzido e educado para os benefícios de uma alimentação saudável. E precisa saber que essa “saúde” tem reflexos positivos, também, na preservação e recuperação do meio ambiente, assim como no fortalecimento sustentável da economia. O papel social dos orgânicos em movimento é outro importante quesito, que as pessoas devem ter em mente para poderem calcular a relação custo/benefício dos orgânicos em relação aos convencionais.

Qual é o papel das escolas e universidades frente a conscientização e educação das crianças e adolescentes no Brasil?
O Brasil é um país deseducado nesses e em muitos outros aspectos importantes. Falta, em geral, um foco maior na questão da cidadania, tanto na forma de responsabilidade pessoal quanto no aspecto coletivo. Decidir-se por uma alimentação saudável e evitar consumir marcas que exploram a natureza de maneira predatória é consequência desse aprendizado. Cidadãos conscientes fazem a diferença em todos os aspectos. Eles são propensos a ver não apenas produtos, mas a maneira como são feitos, a trajetória de cada um até chegar a ele. Cidadão questiona, quer saber como é por dentro das coisas, costuma “desmontar o brinquedo”.

Qual é o papel dos pais nessa (re)educação e como os brasileiros têm se comportado nesta transição?
Curiosamente, nos orgânicos em movimento é muito significativa a inversão nesse processo educacional. Isto é, as novas gerações estão ensinando os mais velhos a preferir os orgânicos. Essa tendência é muito forte.

Os hábitos alimentares têm muito a ver com herança cultural, tradição, atitudes, costumes e também com as mudanças desses conceitos. Então, a influência dos familiares é fundamental. Obviamente, é muito mais fácil começar certo e dar sequência na vida do que ter de rever hábitos já enraizados. Pelas pesquisas, pela nossa experiência, essa conscientização vem aumentando a passos largos. A própria entrada dos orgânicos nas prateleiras de grandes redes varejistas já sinaliza claramente nessa direção. A geração saúde é uma realidade e só cresce.

Quais foram os momentos mais difíceis da Organis à frente do segmento em seus anos de existência no Brasil?
A Organis nasceu de uma experiência direta e muito profunda, foram 12 anos de trabalho no setor. Então, já começamos escolados, sabendo exatamente o que nos esperava. Como a nossa proposta era única, diferente de tudo o que existia, a viabilização e subsistência da associação foi um dos grandes desafios. Aos poucos, os orgânicos foram percebendo a real necessidade de existir uma associação voltada à demanda, ao consumidor, ao incremento do nosso mercado. Passados estes momentos iniciais, a ideia cresceu e, hoje, nos mantemos exclusivamente dos recursos que geramos por meio dos associados e instituições parceiras. Nosso desafio é crescer de modo sustentável, ampliando conquistas e aumentando o alcance da nossa voz, sem deixar de lado nossos valores. Nosso foco era, e continua sendo, ampliar o público consumidor de orgânicos e fazer com que os produtos estejam cada vez mais acessíveis a eles.

Por que é importante a população conhecer o calendário da produção de alimentos de acordo com cada uma das estações? Qual é a mudança de comportamento do consumidor aguardada nesta transição?
É importante que as pessoas saibam que faz parte do conceito a valorização da produção local. Quanto menos os produtos forem manuseados, processados, estocados, transportados, melhores eles serão. Já existem técnicas seguras de se produzir determinados produtos fora de seus locais e estações originais. Mas ainda são modos de produção complexos, que exigem mais do produtor e, em geral, resultam em maior manejo, menor quantidade e, consequentemente, maior custo, em relação aos concorrentes convencionais, que “forçam” artificialmente a produção, mas oferecem alimentos com problemas de sabor e nutrição. O ideal é que produtores e varejistas invistam na educação do consumidor quanto aos produtos da estação. A Organis vem trabalhando bastante essa questão em todas as suas formas de comunicação com o público.

Quanto às empresas, em um de seus artigos há uma reflexão impactante: “Nenhuma empresa terá vida longa se sair pelo mundo aplainando montanhas, soterrando rios e lagos, extinguindo animais, derrubando florestas, corrompendo governos, financiando guerras e acrescentando substâncias duvidosas aos seus produtos”. A partir desta reflexão, qual é o perfil de liderança necessária hoje para levar as empresas rumo as mudanças esperadas? Quais são os bons exemplos do mercado no Brasil neste processo?
As lideranças empresariais precisam colocar-se a favor dos ventos da modernidade. Existe uma forte pressão global por um sistema menos predatório, um capitalismo mais sustentável, que veja além dos objetivos do faturamento imediato. O aumento de patamar das exigências de qualidade de vida é um caminho que não tem volta. Cada vez mais os consumidores se aproximam de marcas amigáveis à saúde das pessoas e do meio ambiente e se afastam ou ficam indiferentes àquelas que não têm um conceito claro a respeito disso. A necessidade de produzir sem destruir não existe apenas nos domínios da ciência, é necessidade, também, de sobrevivência mercadológica.

Existem exemplos claros dessa nova realidade. Tempos atrás, fez imenso sucesso nas redes sociais uma série de fotos de grandes obras que foram modificadas por pressão da sociedade, inclusive de uma operadora de autoestrada que foi “convencida” a investir na mudança de seu traçado para poupar uma única árvore. Em Seul, outro grande exemplo dessa tendência: uma linha inteira de metrô foi desativada e reconstruída de outra maneira para que pudesse ressurgir um rio que havia sido soterrado. E esses são apenas exemplos mais amplos de uma forte tendência que se expressa em um crescente mercado consumidor que não abre mão da sua cidadania na hora de consumir. E não se enganem, o consumidor está cada vez mais atento, sabendo separar o que é real atitude de uma mera política de aparência ou o chamado greenwashing.

Quais as mudanças necessárias nos estados e municípios brasileiros assim como em âmbito federal para que possamos ter mais força nesta benéfica transição?
Os governos podem colaborar de diversas maneiras, diretas e indiretas. Por exemplo, apoiando a produção local, a agricultura familiar, não apenas aumentando suas compras desse grupo, mas auxiliando seus integrantes na busca da certificação, por exemplo. E, como governantes, têm obrigação de dar conta de setores como saúde, educação e segurança, áreas administrativas que podem se beneficiar muito da filosofia orgânica. As escolas de todos os níveis precisam ensinar os benefícios da alimentação saudável.

Pessoas bem alimentadas pressionam bem menos o setor de saúde. E finalmente, o aumento de renda e empregos no campo diminui em muito a migração para as periferias dos grandes centros, que resultam em redução de qualidade de vida e aumento da violência, entre outros fatores. Sob qualquer ângulo, vale a pena as autoridades investirem na disseminação dos ideais orgânicos, se não por verdadeira consciência, num primeiro momento, que seja pela dinamização da economia e incremento de recursos públicos, cada vez mais curtos.

O que a Pandemia atual de Covid 19 proporcionou aos Orgânicos neste primeiro semestre de 2020?
A quarentena e o distanciamento social fizeram com que as pessoas refletissem mais sobre diversos aspectos de suas vidas, inclusive, é claro, no quesito saúde. E isso as levou a pensar melhor sobre a sua importância da boa alimentação, inclusive no fortalecimento das defesas do organismo. Por isso, o consumo de orgânicos aumentou muito nesse período, na contramão das perdas observadas em outros setores. Outro aspecto importante foi a tomada de consciência de toda a cadeia produtiva dos orgânicos da necessidade de se comunicar bem com o consumidor. Mostramos grande dinamismo ao nos adaptarmos a novas formas de comercialização, mais diretas e rápidas, usando modernos mecanismos de interação. Resumindo, neste período de pandemia os orgânicos conseguiram não apenas manter o atendimento a seu público cativo, mas vem aumentando significativamente a sua posição no mercado e com grande potencial de fidelização.

Cobi, o que você diria a cada brasileiro e brasileira se pudesse dialogar com todos ao mesmo tempo por apenas três minutos neste exato momento do Brasil?
Eu diria que, mesmo diante de grandes desafios estruturais e pontuais, nunca renuncie ou desista de exercer sua cidadania. As suas posições de cidadão e consumidor é que financiam e dão direção ao que acontece no país. Buscar saber o que está por detrás dos produtos que compra e entender o direcionamento que está sendo dado aos impostos que pagam são fundamentais para a melhoria geral da nossa qualidade de vida. Somos um país rico em muitos aspectos. Precisamos nos associar e ganhar força para que esta riqueza seja bem aproveitada e gere benefícios para todos. É preciso entrar em movimento. E isso significa muito mais do que simplesmente votar e esquecer.

Clauber Cobi Cruz
Diretor da Organis – Associação de Promoção dos Orgânicos

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