“São os consumidores pelo mundo afora que estão expressando sua consciência ao consumir. São eles que vêm limpando muitos dos campos agrícolas ao exigir um alimento saudável para levar a sua mesa.”

Quando Al Gore protagonizou o filme “Uma verdade inconveniente” (2006), reconhecido com o Oscar de melhor documentário daquele ano, parecia que a gravidade do aquecimento global tinha sido compreendida e que medidas para conter o aumento da temperatura do planeta iriam fazer parte da agenda dos governantes pelo mundo afora. O tempo demonstrou que não foi bem assim!

Quase 10 anos mais tarde, depois de inúmeras tentativas, o mundo parecia ter conseguido então pactuar sobre uma agenda climática comum, no Acordo de Paris (2015). Porém, ouvir o discurso de Greta Thumberg, no Fórum Econômico Mundial, em Davos, Suíça, em 2019¹, falando sobre a urgência de lidar com o problema, me fez pensar que o tema, de fato, ainda não ganhou a importância que ele tem, se pensarmos no impacto que os efeitos das mudanças climáticas têm sobre todos nós.

O ano de 2021 começou e pelo menos os EUA parecem estar saindo de um estado de coma, de um estado de negação crônica sobre a importância desta temática. A agenda de Joe Biden, com o simbólico e importante retorno dos EUA ao Acordo de Paris, certamente traz esperanças, mesmo que estejamos ainda enfrentando forças opostas pelo mundo, inclusive em nosso país. Mas o que ainda poderá vir da nova agenda pública norte-americana?

Quando falamos de alimentos, um tema sensível do ponto de vista ambiental é o do uso excessivo de agrotóxicos. A meu ver, neste caso, nós consumidores temos tido uma atuação fundamental, temos sido verdadeiros heróis. São os consumidores pelo mundo afora que estão expressando sua consciência ao consumir. São eles que vêm limpando muitos dos campos agrícolas ao exigir um alimento saudável para levar a sua mesa. Também temos que dar um enorme crédito aos produtores, principalmente da agricultura familiar, que são diretamente impactados pelo tipo de insumo agrícola utilizado, que vem ajudando nessa grande virada de chave.

Porém, se no caso dos agrotóxicos parece possível estabelecer uma relação direta, entre causa e consequência, ou “input” e “output” (nível de toxidade do que é aplicado e efeito do alimento consumido na saúde das pessoas); no caso das mudanças climáticas, a relação é muito mais tênue ou indireta. Como associar a preservação de paisagens, a rotação de culturas, o plantio direto e as complexas equações de carbono (na terra, ou no ar), com o consumo de alimentos produzidos a partir de certas práticas agrícolas? Como o consumidor pode ser o guardião dessa agenda?

Isso é algo bem mais complexo, daí que o capital de impacto tem se mobilizado para conseguir estabelecer práticas de financiamento que possam alinhar expectativas de retorno sobre o capital investido com modelos de produção capazes de amenizar os impactos no clima do planeta. Por exemplo, a rePlant Capital, com fundo captado de $250 milhões, tem como objetivo atender produtores que querem adotar práticas orgânicas-regenerativas e aumentar a rentabilidade sobre o alimento que eles produzem pela inserção em mercados de maior valor agregado.

E aqui vale chamar atenção para um ponto importante: a compreensão da importância da agricultura “regenerativa” não deveria confundir o nosso “consumidor herói” que já entende os benefícios do produto orgânico certificado. O produto orgânico é hoje uma marca coletiva amplamente divulgada e reconhecida, motor de muitas transformações. Além disso, a agricultura orgânica é, sem dúvida, um estágio avançado para ser complementado com algumas práticas da agricultura regenerativa². Já é possível inclusive identificar várias aplicações do termo “orgânico-regenerativo” na missão de centros de pesquisa e fundos de impacto, para citar apenas alguns exemplos.

Para os desafios ambientais desta década, vamos, sim, ter que nos acostumar com a adição da palavra “regenerativo” ao que já conhecemos como a agricultura sustentável, reconhecida como “orgânica”. Aos poucos, de preferência sem atropelos, vamos ter que decodificá-la para saber como consumi-la, para o bem da nossa saúde e para o bem do clima do nosso planeta.

Sejam então todos bem-vindos ao mundo orgânico-regenerativo!

Gustavo Mamão
Fundador Flourish [Negócios com Propósito]
gustavo@flourishnegocios.com.br
¹ “Os adultos ficam dizendo: ‘devemos dar esperança aos jovens’. Mas eu não quero a sua esperança. Eu não quero que vocês estejam esperançosos. Eu quero que vocês estejam em pânico. Quero que vocês sintam o medo que eu sinto todos os dias. E eu quero que vocês ajam. Quero que ajam como agiriam em uma crise. Quero que vocês ajam como se a casa estivesse pegando fogo, porque está.” (Greta Thunberg, Fórum Econômico Mundial, em Davos, Suíça, em 2019)² Na agricultura regenerativa, a prioridade é a saúde do solo, por meio de quatro práticas: rotação de cultura, plantio direto, presença de espécies perenes ou florestais e criação de animais de modo integrado ao plantio. (Fonte: Solo fértil – kiss the ground, 2020).

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