“Sem água e sem comida não temos chances de sobrevivência. E esse não é um problema com o qual as futuras gerações terão que lidar se não tomarmos providências agora. Nós já estamos enfrentando esse problema, ainda que em pequena escala. Em poucos anos a falta de água e de comida será ainda mais intensa.”

Originalmente publicado no Paporeto

As notícias de incêndios com as quais nos deparamos nas últimas semanas chegam a nos causar uma dor física. Uma tristeza profunda e um sentimento de impotência gigante.

A escassez de chuva aumenta a intensidade dos incêndios. Falta água em diversas regiões do país, atingindo inclusive cidades reconhecidas pelo alto índice de chuvas, como Curitiba, que até recebeu de seus moradores o apelido de “Chuvitiba”.

Aqui na micro região aonde vivo, há um excesso de poços artesianos para amenizar os efeitos da seca nas plantações. E esses poços estão secando. E são cavados poços cada vez mais fundos. Uma situação insustentável que, acredito, não acontece apenas por aqui, mas em todo o país.

Como agricultora eu fico pensando qual é o meu papel neste cenário. Tenho planos para restaurar a mata nativa do sítio e pratico agricultura orgânica, que tem em sua essência uma série de manejos para recuperar a qualidade do solo, promover sua descompactação e permitir que água infiltre e volte a abastecer os mananciais. Mas em uma área tão pequena que eu tenho dúvidas se realmente contribuo de alguma forma para melhorar esse cenário de devastação.

É preciso unir forças. A agricultura orgânica tem expandido em ritmo acelerado. Além disso, crescem no país grupos de agricultores que trabalham por uma agricultura sustentável. São produtores que já perceberam a necessidade de mudar a rota para continuar sobrevivendo e buscam alternativas para preservação do solo e da biodiversidade. Crescem também as práticas agroflorestais. Modelo ainda menos consolidado, mas que já ganha inúmeros adeptos. Os sistemas agroflorestais buscam nas florestas a inspiração para produção de alimentos. O cultivo é feito a partir do consórcio de árvores nativas ou exóticas com culturas agrícolas.

Esses são exemplos de como podemos aliar a produção de alimentos à preservação do meio ambiente, no geral, e à preservação da água, em particular. São alternativas ao sistema de produção em larga escala atual que nos oferecem esperança e nos fazem acreditar que é possível mudar a rota, que ainda estamos em tempo.

Ao desmatar as florestas e com isso abrir espaço para incêndios cada vez mais devastadores, não estamos apenas destruindo a biodiversidade animal e vegetal do planeta. Estamos nos destruindo. Estamos destruindo a espécie humana. Sem água e sem comida não temos chances de sobrevivência. E esse não é um problema com o qual as futuras gerações terão que lidar se não tomarmos providências agora. Nós já estamos enfrentando esse problema, ainda que em pequena escala. Em poucos anos a falta de água e de comida será ainda mais intensa.

Quando eu vejo a discussão sobre a alta abusiva do preço do arroz eu me pergunto: seria um indício de uma “guerra” por comida? Pouco tempo atrás vimos o mesmo acontecer com a carne. O Brasil bate recorde de exportações de carne bovina e os preços explodem no mercado nacional. Não seriam fatos que nos apontam que quem tem mais poder econômico ou visão de sobrevivência já está levando vantagem nesta “briga” por alimento?

Por outro lado, há muito desperdício. São recorrentes as manifestações de agricultores que jogam fora sua produção por falta de mercado.   De acordo com dados da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), o Brasil é um dos 10 países com maior desperdício de alimentos. Ou seja, o país que arde em chamas passa fome e, ao mesmo tempo, joga comida fora.

Qual a nossa responsabilidade diante desse cenário? Como cada um de nós pode contribuir para equacionar essa situação? Saber de onde vem o alimento que comemos e como ele foi cultivado pode ser um bom começo. E este é um comportamento que vem ganhando cada vez mais adeptos.

Alguns movimentos que iniciaram junto com a pandemia, como o “compre do local”, “compre do bairro”, que ajudaram muitos pequenos negócios a não fechar as portas, podem apontar algumas saídas. O aumento do consumo de alimentos orgânicos, ainda que restrito a uma parcela da população, também aponta que estamos começando a trilhar um caminho para um modelo de agricultura sustentável.

Mais do que nunca é preciso união para buscar alternativas. Como cidadãos, saber escolher o que consumimos é um grande passo neste sentido. Ao fazer melhores escolhas, o consumidor obriga o produtor a adotar práticas agrícolas mais sustentáveis.

Milena Miziara
Agricultora orgânica – Laverani Orgânicos
milena@laverani.com.br

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