“O convívio harmonioso da diversidade de culturas com a diversidade de espécies locais mantém e fortalece a estabilidade e a resiliência dos agroecossistemas.”

A natureza gastou milhões de anos construindo ambientes estáveis, harmônicos e sustentáveis. Toda forma de vida, de uma maneira constante, colabora para o fortalecimento de ações comunitárias, que com isso organizam os ecossistemas e estes os biomas que formam a distribuição da vida no planeta. É evidente que o avanço da humanidade sobre as áreas naturais provoca uma instabilidade ambiental eterna. Os fatos atestam que todo tipo de gestão tecnológica é uma invasão na natureza. De uma forma ou de outra a adoção de um modelo de agricultura sem levar em conta as características e efeitos dos ecossistemas aniquila as possibilidades de sustentabilidade do local trabalhado.

É preciso quebrar de vez o paradigma de que agricultura é feita de simplificar a natureza, de expor o solo para semear, expor o solo para cultivar, e de mobilizar para conservar. Agricultura, nos moldes tradicionais europeus ocupa e usa as terras de forma a perenizar espaços de produção e cultivá-los de uma mesma forma por décadas. O conhecimento civilizatório da agricultura europeia não leva em conta a decomposição ocorrendo 24 horas por dia de forma contínua, nunca conviveu com chuvas torrenciais constantes e com uma radiação solar intensa por quase todos os dias. Se o modelo europeu vem mostrando-se inadequado, em nosso país, onde podemos buscar conceitos, diretrizes e resultados para mudar? Onde podemos encontrar exemplos práticos de um modelo agrícola, para o Brasil, que poderíamos chamar de tropical?

Analisando a agricultura orgânica podemos compreender o princípio organizacional de um sistema de produção que se adapta, ao uso da terra, combinando os processos operacionais cíclicos compatíveis com a natureza local. A produção é de alimentos de alta qualidade assegurando as bases naturais de funcionamento. A prioridade pela matéria orgânica condiciona o manejo dos solos, da biodiversidade, dos corpos d’água e do clima. Ou seja, agricultura de curto, médio e longo prazo. O convívio harmonioso da diversidade de culturas com a diversidade de espécies locais mantém e fortalece a estabilidade e a resiliência dos agroecossistemas.

Na agricultura orgânica, os tratos culturais devem ocorrer de forma que as interdependências naturais do ecossistema sejam usadas e promovidas. Para aumentar o rendimento e a qualidade, são estimulados os processos naturais que formam a base da produção agrícola, como é o caso do manejo ecológico de pragas, de doenças, e do mato. A base filosófica leva os agricultores a seguirem o exemplo da natureza e a funcionar no equilíbrio dos processos naturais. Com a agricultura orgânica, os recursos naturais dos ecossistemas são usados, mas também preservados. Fontes não renováveis de energia e de matérias-primas são evitadas. Isso significa que o uso de meios de produção externos são severamente restritos ou completamente proibidos, como é o caso de fertilizantes minerais produzidos sinteticamente, agrotóxicos e reguladores de crescimento. A ação agrícola está voltada para a responsabilidade de suas consequências. Isso minimiza os efeitos negativos sobre os trabalhadores da propriedade, animais, solo, colheita, ambiente e clientes.

Para o manejo nutricional de plantas e animais, os agricultores orgânicos utilizam estratégias que disponibilizam nutrientes preferencialmente produzidos de dentro da propriedade. A fertilidade do solo é mantida e desenvolvida em longo prazo por meio do acúmulo de húmus. Como a rotação variada das culturas é voltada para um alto teor de matéria orgânica conversível e estimuladora da vida do solo os efeitos positivos dos resíduos de colheita são efetivamente manejados. No cultivo de leguminosas, é obtido nitrogênio, que é fundamental para as culturas em sucessão. No cultivo de gramíneas é potencializada a cobertura, outros nutrientes e a agregação do solo. As diretrizes orgânicas preconizam que os animais, especialmente os ruminantes, precisam ser alimentados em grande parte com alimentos frescos e naturais. O estrume produzido é utilizado para compostagem no suprimento local e temporal de nutrientes. As excreções de animais servem como fertilizantes de alta qualidade na forma de esterco líquido ou de  biofertilizantes. Insumos que são obtidos com o mínimo de perdas possíveis, armazenados e devolvidos às áreas cultivadas.

A base da organização produtiva é a estabilização do ecossistema agrícola com a rotação de culturas. A variedade de cultivos (agro-biodiversidade planejada) nas áreas é o meio mais eficaz de usar forças e processos de autorregulação. Medidas de manejo que possam garantir um ambiente produtivo são mais importantes em termos de uso sustentável do que as tecnologias que possam maximizar o rendimento das culturas à custa das próprias bases de produção. Seres benéficos, como microrganismos, minhocas, inimigos naturais, plantas companheiras ou antagonistas, polinizadores, animais e plantas nativas encontram nas áreas orgânicas um habitat natural na paisagem cultural.

A necessidade da organização multifacetada da propriedade orgânica resulta em extensos serviços ecológicos para conservação da natureza e da paisagem. Como resultado, os agricultores orgânicos fornecem benefícios ecológicos positivos para a sociedade como um todo. Agricultura orgânica produz um exemplar modelo de economia circular, o que contrasta com a agricultura convencional de bases europeias. Com essa abordagem holística e voltada para o futuro, a agricultura orgânica segue na pretensão de desenvolver efetivamente uma agricultura tropical sustentável.

Afonso Peche Filho
Pesquisador Científico do Instituto Agronômico de Campinas – IAC
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