Costumamos nos lembrar anedoticamente daquela história de que os esquimós possuiriam mais de 50 nomes para se referir à cor branca. Para o povo esquimó, seria uma questão de sobrevivência conseguir nomear nuances de brancos diferentes, seja para identificar ou comunicar probabilidades de cair num buraco ou de conseguir comida. Daí, eles não poderiam deixar de expressar os vários tons de branco na linguagem.
Embora essa história seja mesmo quase verdade, e que seja contada por muitas pessoas como uma curiosidade, nunca parei pra pensar em como nós usamos as palavras para nos referirmos às cores.
Segundo o professor e pesquisador John Warren, muitas das línguas ocidentais contemporâneas possuem uma gama imensa de palavras para se referir às nuances de uma cor em específico. Nem notamos, mas é provável que tenhamos mais palavras para uma cor do que qualquer outra: o verde.
Isso acontece, segundo Warren, porque vivemos em um planeta dominado pela cor verde, e portanto, faz sentido que as forças naturais da seleção tenham nos equipado com olhos que são particularmente sensíveis à luz verde do espectro.
É basicamente a mesma história do esquimó. Porém, Warren afirma que a adaptabilidade nesse caso não é somente linguística, mas também biológica. Teríamos maior sensibilidade na retina para a cor verde. Por termos essa sensibilidade, Warren afirma que também as nossas telas (como a TV, o cinema e as câmeras fotográficas, por exemplo) são calibradas para terem maior espectro verde, e assim, serem mais “reais”, mais da forma como estaríamos acostumados a ver.
Mas pense bem: se você é biologicamente adaptado para reconhecer o verde em todas as suas nuances, mas não consegue nem distinguir entre a salsa e o coentro na feira, será que você está aproveitando toda a potencialidade que a seleção natural te deu? A salsa e o coentro, claro, é só um pequeno exemplo. Pense no número de árvores espalhadas pela sua cidade. Os jardins. Uma praça. Pense ao menos no matinho que nasce no meio fio da calçada. Você consegue dizer o nome de quantas dessas plantas? Ou seriam todas elas “mato”, assim, sem nenhuma distinção?
Por essa lógica adaptativa, dá para pensar que quando não usamos essa aptidão estamos desperdiçando o que a natureza nos deu. Ficamos meio analfabetos. Não sabemos ler o ambiente no nosso entorno e por isso jogamos uma habilidade espetacular fora. Também é verdade que parece que precisamos cada vez menos saber distinguir entre espinafres e rúculas. O mundo no qual você nasceu é dominado de cinza, e dominado por pessoas que produzem os alimentos, os cosméticos, os remédios, as fibras do vestuário e uma infinidade de outros produtos vegetais para nós. É bem fácil mesmo nunca termos tido a chance desse aprendizado. Somos os meninos bobos da cidade grande. E tal e qual o roceiro precisou se alfabetizar ao migrar do campo para viver nas nossas metrópoles, a gente deveria ter de se alfabetizar para poder dar conta de viver com o verde. Principalmente porque o verde está — ou deveria estar — em todo lugar.
Mesmo nas metrópoles mais cinzas, essa nossa predileção adaptativa para o verde ainda resiste. Movimentos de guerrilas gardening, hortelões urbanos e assemelhados e a crescente preocupação com questões ambientais não me deixam mentir. Essa resistência do verde está aí nos trend topics do mundo.
Há muita beleza escondida em conseguir desenvolver esse letramento verde. Comecei essa saga alfabetizante há algum tempo. Talvez há muito. Posso dizer que sou um pouco privilegiada. Talvez desde os tempos em que minha avó tinha um sítio e ia eu, menina, apreciar e cuidar da hortinha, esse aprendizado já tinha começado. Pode até parecer pouca coisa, mas existem crianças que não sabem o nome dos legumes, verduras e frutas. Só que alfabetização verde vai além da feira, do supermercado, e mesmo da horta.
Quando falo de uma alfabetização verde, penso em conseguir identificar plantas numa paisagem qualquer. Há muito mais coisa para se conhecer do que temos noção. É uma coisa bonita de se apreciar alguém que consegue ler a paisagem, que sabe os usos, os gostos, os cheiros. Que anda por um mundo indistinto de folhagens e consegue dar significado para os verdes à sua volta. Não é muito diferente do mundo das letras e da habilidade de interpretar um texto.
Outro dia andando por uma praça, olhei uma árvore, reparei na folha, no porte, e também reparei num pendão com pequenas bolinhas avermelhadas que estavam por toda a sua copa. Liguei os pontos, me lembrei de uma foto do meu livro de PANCs, que comprei mesmo com o propósito de me ‘alfabetizar’ — e pensei: isso é pimenta rosa? Puxei um galho, provei uma das bolinhas. Bingo! Quanto tempo essa árvore estava ali? Um tempero que costuma ser vendido caro, frequentemente importado, ali, na praça. São dois quarteirões da minha casa. A árvore é bonita, e é usada em centros urbanos de maneira ornamental mesmo. Na semana seguinte dessa descoberta, fiz uma viagem, e encontrei um parque com dezenas de pés de pimenta rosa, que dessa vez reconheci de cara. Me deu a certeza de que já estava um pouco mais alfabetizada.
Assim é o processo: quando a gente começa a ver, não consegue parar de enxergar. Pra aprender isso é preciso ler, ver muitas fotos, tocar em várias plantas, ser curioso e fazer perguntas que parecem bobas às pessoas e não ter medo de experimentar. É assim que se constrói um repertório. Porém, com o principal nós já viemos equipados. Basta começarmos a usar mais nossa habilidade de enxergar de verdade o verde.