“Atualmente, mesmo com o Agronegócio do País tendo se tonado um dos maiores do mundo e ser o primeiro em exportação de vários itens, mais de 70% da alimentação dos brasileiros é fornecida pelos pequenos e médios agropecuaristas.”

Há uma “legião” formada de produtores, autoridades, pesquisadores e líderes setoriais que é absolutamente avessa à entrada de grandes agricultores e pecuaristas no segmento de orgânicos. Segundo a visão do grupo, os grandes são “predadores” por natureza, têm compromissos apenas com os lucros, jamais com os princípios do setor, podendo abandonar o barco a qualquer momento se vislumbrarem outro negócio mais promissor. 

Além do mais entendem que micros, pequenos e médios produtores darão conta de fornecer alimento orgânico suficiente a todo os brasileiros, desde que, em primeiro lugar, sejam corrigidos problemas estruturais e conjunturais do País.

Quando falam de estrutura citam, naturalmente, a situação fundiária e apontam a reforma agrária ampla e justa como a solução para o desequilíbrio da posse de terras no Brasil.  A questão conjuntural está ligada aos benefícios que são alegadamente criados para todos, mas que são acessíveis somente aos grandes, tais como tecnologias (automação, veículos de trabalho, transporte, equipamentos…) e crédito, pois os pequenos não recebem a mesma atenção dos bancos e dificilmente obtêm aval para obter o empréstimo.

Para reforçar a prova da eficiência dos pequenos argumentam: atualmente, mesmo com o agronegócio do País tendo se tonado um dos maiores do mundo e ser o primeiro em exportação de vários itens, mais de 70% da alimentação dos brasileiros é fornecida pelos pequenos e médios agropecuaristas. 

Por tudo isso o grupo exige dos governos que, em se tratando de orgânicos, todas as leis e benefícios (como compras governamentais) sejam criados e mantidos somente para pequenos e médios produtores.

De fato, são argumentos fortes e verdadeiros. Durante décadas governos operaram como Robin Hood às avessas, aplicando o dinheiro de impostos em programas dedicados aos grandes produtores, criando linhas de crédito de longo prazo, com juros negativos – abaixo da taxa de inflação. Sabemos que muita gente se aproveitou, retirou dinheiro para outros fins – que não a agropecuária – e nunca pagou sequer os juros, quanto mais o principal!

Para tirar dúvida basta, em um dia, acompanhar um grande produtor de soja ou pecuarista ao banco e, no outro, ir à mesma agência ao lado de um produtor familiar. O tratamento é diferente, dentre os motivos porque o gerente, quase sempre remunerado de acordo com o que vende, ganha mais comissão, elogios e prestígio quando “fisga” um grande. E ainda tem motivos políticos, estratégicos e outros interesses.

Ok. Mas, querer barrar a entrada de grandes produtores no segmento de orgânicos parece discriminação. Ao meu ver, quem o faz está partindo do pressuposto de que todos são ou desonestos ou interesseiros ou até mesmo desprovidos de qualquer convicção. E que os pequenos é que têm “coração”. Não há espaço aqui para abordar questões de ética mas, em pouco tempo de atuação no setor de orgânicos já ouvi relatos de pequenos comerciantes também explorando pequenos produtores.

Esse é um tema delicado e polêmico. As injustiças se expressam nos números. O Brasil tem mais de 5 milhões de propriedades rurais, e mais de 90% dessas terras estão sob domínio de apenas 1% dos produtores! 

Sabemos que hoje em dia grandes produtores do agronegócio não são agricultores nem pecuaristas; são investidores que aplicam capital e querem retorno. Não dá para cobrar deles o mesmo amor à terra, às águas, às florestas que têm aqueles que nasceram no campo. Mas, pode-se exigir respeito e, no mínimo lhes impor o cumprimento das leis!

Sob esse ponto de vista, o grande pode até ser frio de sentimentos em relação ao meio ambiente e insensível à importância da alimentação saudável. Contudo, se deseja ser considerado orgânico tem que se submeter à legislação e auditorias.

Então, proponho que se altere não apenas os programas de produção e comercialização de orgânicos, mas que se mude a lei e sua execução, o código civil, o criminal e mais seja lá o que for necessário para que a justiça torne-se igual para todos, não somente no setor de orgânicos, mas em todas as atividades e recantos, em zonas rurais ou urbanas, nas áreas social, ambiental e relacionamento social. 

Posso ser considerado apenas mais um sonhador, porém, insisto que ao invés de criar novos núcleos por decreto devemos implantar a justiça social ampla, num País onde todos sejam iguais perante a lei, produzindo 100 kg ou 100 toneladas de alimentos; seja prestando serviços, comercializando, ministrando aulas, atuando no mercado financeiro, na política…

Assim, o segmento de orgânicos (como os demais mercados) poderá ser para pequenos, médios e grandes. Esse é o Brasil que queremos e pelo qual lutamos: para todos, não somente para pequenos ou grandes.

José Daízio
Jornalista especializado em orgânicos e responsável pela fan page Saber Orgânicos no Facebook
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